|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARINA SILVA
Calibrando as expectativas
A
ELEIÇÃO de Barack Obama
teve o efeito de uma chacoalhada no mundo. Tudo parecia tão previsível -para muitos, tão
sem saída- e, de repente, um fato
político mexe de tal maneira com
pessoas de todas as culturas e territórios que parece já vivermos novos tempos. Está no ar a emoção do
momento histórico, com a chegada
de um homem negro à presidência
dos EUA, a derrota da doutrina belicista-intervencionista de Bush e a
descoberta de que os Estados Unidos podem surpreender.
As prioridades dos sonhos planetários são inúmeras: fim do embargo a Cuba, forte adesão aos esforços para enfrentar a aceleração das
mudanças climáticas, fim do intervencionismo militar, política econômica capaz de colaborar para
dissipar as piores previsões de recessão global, atitude mais solidária nas negociações e decisões cruciais para o mundo.
Em favor de Obama, e até mesmo de nossas esperanças, é preciso
calibrar melhor as expectativas.
Não é justo messianizá-lo. É justo
esperar que seja um grande estadista e ajude, com seu carisma, a
construir pontes entre mundos de
brancos e negros, nações ricas e pobres e entre as intolerâncias que
impedem soluções novas, criativas
e ousadas para problemas comuns.
Obama é herdeiro de processos
represados ao longo das últimas
décadas -inclusive em decorrência de mortes violentas, como as de
John e Bob Kennedy e de Martin
Luther King- e, finalmente, tem
legitimidade e apoio para avançar
além de barreiras que pareciam insuperáveis. Mas haverá poderosas
resistências, e Barack Obama já demonstrou ser bastante cauteloso e
determinado.
Sua história e a influência que recebeu de Stanley Ann, a mãe cidadã
do mundo, inteligente e corajosa,
sinalizam que está preparado para
o tamanho do desafio. Maya, a irmã, conta sobre a filosofia de vida
da mãe: "Não nos limitarmos por
medo de definições estreitas, não
erguermos muros à nossa volta e
nos empenharmos ao máximo para
encontrarmos a afinidade e a beleza em locais inesperados".
Stanley Ann fazia o filho ouvir
discursos de Luther King e certamente ele conhece a resposta que o
grande líder negro deu ao desafeto
Roy Wilkins, quando este o desafiou a citar uma prova de que teria
conseguido dessegregar algo com
seu ativismo. Luther King respondeu: "Acho que a única coisa que
consegui dessegregar até aqui foram alguns corações humanos". É
o ponto de onde parte Obama: dos
corações humanos conquistados, o
que lhe garante uma enorme torcida em todo o planeta e uma vontade coletiva incomum de colaborar
para que tudo dê certo.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Falta o Cartola Próximo Texto: Frases
Índice
|