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CARLOS HEITOR CONY
O chuveiro e o chafariz
RIO DE JANEIRO - Tem 21 anos, fugiu de casa, fumou maconha e crack,
cheirou cola, roubou, aliou-se a traficantes, foi estuprada pelo padrasto e
por senhores que catam meninas de
rua. Tomava banho no chafariz da
praça da Sé. Chama-se Esmeralda do
Carmo Ortiz. Escreveu um livro, ""Por
que não dancei".
Como diz Gilberto Dimenstein, que
coordenou o projeto editorial e escreveu o prefácio, ela foi a repórter de si
mesmo. Uma reportagem que é uma
pauta para muitas reflexões da sociedade que produz Esmeraldas e continuará fabricando outras, no grande
gueto das cidades grandes e ricas.
A história dela não chega a ser uma
revelação. De uma forma genérica,
todos sabemos como são fabricadas
em série essas Esmeraldas. Ela não
dançou, como diz no título do seu livro, porque, entre outras coisas, sabia
que um chuveiro podia ser não apenas a alternativa ao chafariz da Sé,
mas um objetivo, um projeto de vida.
Ela inicia o seu relato enaltecendo o
seu chuveiro, ""que vai limpando a
gente por dentro e por fora". Dos 8
aos 15 foi militante de um grande
exército de Brancaleone, a geração
do crack, que anda de um lado para
outro da cidade acreditando que terá
a posse de um reino inexistente.
O processo por que passou dificilmente será compreendido pelos seus
companheiros de rua e miséria. Mas
pode ser entendido por nós, nós que
nunca tomamos banho num chafariz
público. Esmeralda não dançou porque teve ajuda e se ajudou.
Mostrou as entranhas da noite e da
rua, mas também mostrou que pode
haver um caminho de mão dupla: a
vontade própria e a colaboração de
segmentos da sociedade que, ainda
escassamente, estão conscientes de
que a realidade pode ser mudada.
Esmeralda teve a ajuda de grupos
que se dedicam a exercer a cidadania
não em forma de protesto inútil, mas
de solidariedade permanente.
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