São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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CARLOS HEITOR CONY
O chuveiro e o chafariz

RIO DE JANEIRO - Tem 21 anos, fugiu de casa, fumou maconha e crack, cheirou cola, roubou, aliou-se a traficantes, foi estuprada pelo padrasto e por senhores que catam meninas de rua. Tomava banho no chafariz da praça da Sé. Chama-se Esmeralda do Carmo Ortiz. Escreveu um livro, ""Por que não dancei".
Como diz Gilberto Dimenstein, que coordenou o projeto editorial e escreveu o prefácio, ela foi a repórter de si mesmo. Uma reportagem que é uma pauta para muitas reflexões da sociedade que produz Esmeraldas e continuará fabricando outras, no grande gueto das cidades grandes e ricas.
A história dela não chega a ser uma revelação. De uma forma genérica, todos sabemos como são fabricadas em série essas Esmeraldas. Ela não dançou, como diz no título do seu livro, porque, entre outras coisas, sabia que um chuveiro podia ser não apenas a alternativa ao chafariz da Sé, mas um objetivo, um projeto de vida.
Ela inicia o seu relato enaltecendo o seu chuveiro, ""que vai limpando a gente por dentro e por fora". Dos 8 aos 15 foi militante de um grande exército de Brancaleone, a geração do crack, que anda de um lado para outro da cidade acreditando que terá a posse de um reino inexistente.
O processo por que passou dificilmente será compreendido pelos seus companheiros de rua e miséria. Mas pode ser entendido por nós, nós que nunca tomamos banho num chafariz público. Esmeralda não dançou porque teve ajuda e se ajudou.
Mostrou as entranhas da noite e da rua, mas também mostrou que pode haver um caminho de mão dupla: a vontade própria e a colaboração de segmentos da sociedade que, ainda escassamente, estão conscientes de que a realidade pode ser mudada.
Esmeralda teve a ajuda de grupos que se dedicam a exercer a cidadania não em forma de protesto inútil, mas de solidariedade permanente.


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