UOL




São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Municípios sobrecarregados

CELSO GIGLIO

Quem acompanha o noticiário sobre as questões federativas deve ter lido recentemente nos jornais que se cogita repassar aos prefeitos novas responsabilidades, desta vez nas áreas de segurança pública e reforma agrária. Tais debates não incluem um pequeno "detalhe": os orçamentos locais já estão bastante comprometidos com gastos que, constitucionalmente, não são de sua competência.
Segundo um estudo divulgado em outubro passado pelo Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), 4,52% das receitas dos municípios brasileiros são direcionadas a atividades que são, em tese, de competência da União e dos Estados. Em 2002 isso representou uma despesa de R$ 5 bilhões, uma média de R$ 900 mil por prefeitura. Tais dados foram obtidos a partir de um levantamento com 4.130 municípios, de um total de 5.560. De que maneira é possível assumir ainda mais responsabilidades?
Apesar das despesas extras, os prefeitos não têm deixado de cumprir com suas obrigações. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, de 4.474 cidades pesquisadas (representando 80,5% do total e 90% da população), 73,4% aplicaram em 2002 o mínimo exigido pela Constituição na área. Para que se tenha uma idéia, os Estados deixaram de aplicar R$ 1,6 bilhão, volume suficiente para sustentar o sistema de saúde da cidade mais rica e populosa do país, São Paulo, por um ano.


Os prefeitos estão dispostos a atender a população e não se recusam a absorver novas responsabilidades


Na educação, o grande avanço registrado na década passada também se deveu em grande parte aos municípios. Na faixa etária entre 7 e 14 anos, segmento no qual as prefeituras atuam com maior ênfase, em 1999 registrava-se 97% de alunos nas escolas. Além disso, a taxa de aprovação aumentou, enquanto as taxas de reprovação e abandono diminuíram consideravelmente no ensino fundamental.
O irônico é que essa eficiência, em vez de gerar reconhecimento, gera problemas. Como têm de arcar com suas responsabilidades e também com parte das tarefas dos Estados e da União, 41,5% das prefeituras enfrentam, segundo dados de 2002 do Ibam, uma situação de déficit fiscal. Tal quadro, em vista do que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, é uma ameaça a muitos administradores, que, mesmo com empenho máximo, podem ser punidos pela legislação.
A situação é grave: conforme mostra o Ibam, 73,4% dos municípios brasileiros comprometem mais do que o total de sua arrecadação para custear serviços que são de responsabilidade da União e dos Estados. Além disso, quanto menor o município, maior é esse gasto "extra". Nas 2.686 cidades com menos de 10 mil habitantes, essa despesa alcança o triplo do que arrecadam. Outras 1.384 localidades, que têm entre 10 mil e 20 mil habitantes, gastam uma vez e meia o total de seu Orçamento. Assim não há competência que dê jeito.
Portanto os prefeitos se empenham e fazem o (im)possível, mas a situação da maioria dos municípios brasileiros é dramática. Como se isso não bastasse, o reconhecimento ao seu trabalho é quase nulo. Considerando esse contexto, o adequado seria, antes de sobrecarregar ainda mais os municípios com responsabilidades nas áreas de segurança pública e reforma agrária, repensar a distribuição de recursos -sem, evidentemente, aumentar os impostos.
Se novas responsabilidades forem dadas aos prefeitos sem um volume de recursos adequado, corre-se o sério risco de prejudicar a população. Os municípios já estão muito sobrecarregados financeiramente nas áreas em que a Constituição determina que atuem, entre elas a saúde e a educação. Apesar disso, não têm se recusado a investir em setores que não são de sua competência, a fim de manterem os serviços para os cidadãos.
Portanto os prefeitos precisam de mais recursos para poder investir nos serviços públicos. O empenho das atuais gestões deve ser reconhecido, e não punido, pela LRF. Os municípios brasileiros precisam ter sua importância reconhecida por todos, e não aparecer como os grandes vilões do nosso capenga federalismo.
Até agora, entretanto, os prefeitos têm se esforçado em vão. São raros os destaques positivos sobre os municípios na imprensa, o que ajuda a transmitir uma imagem distorcida das administrações locais, percepção essa que não condiz, absolutamente, com a realidade.
Os prefeitos estão dispostos a atender a população e não se recusam a absorver novas responsabilidades. Todos os dados demonstram o excelente trabalho dos municípios. Mas precisamos, também, de recursos para cumprir nossas tarefas, que aumentam a cada dia e parecem não ter fim.

Celso Giglio, 62, médico, é prefeito de Osasco (SP), pelo PSDB, e presidente da Associação Paulista de Municípios.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Hoel Sette Júnior: Tratamento da hepatite crônica C

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.