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JOSÉ SARNEY
Casa-da-mãe-joana
O sistema partidário brasileiro só
não está no fim porque nunca
existiu. O Brasil jamais conviveu com
a presença de partidos fortes, nacionais, com espaços ideológicos próprios e quadros criados através da militância. A hierarquia na política não é
vertical, é horizontal. Vão tomando a
frente aqueles que, pela capacidade de
liderança, se vão impondo e, através
do respeito e da capacidade, podem
tomar decisões e ser obedecidos e seguidos.
A definição clássica de partido político é que ele constitui um grupo de
pressão dentro da sociedade, com
uma diferença radical, que é a de pretender exercer o poder, enquanto os
outros querem influenciar o poder.
Poder é sinônimo de governo, que,
nas democracias modernas, não se
forma senão numa política de composições para tentar ser a média da vontade da sociedade. Isso assegura a governabilidade. Quando ela não ocorre,
nasce a instabilidade, e nada mais do
que ela é responsável pelo excesso de
crises, como dizem os franceses.
No Império, os partidos tinham rótulos -liberal e conservador-, mas
não tinham organização nem coesão.
Eram facções estaduais que se uniam,
em nível nacional, como governo e
oposição. O imperador, com as armas
do poder moderador, intervinha para
evitar o cansaço dos gabinetes ou simplesmente para provocar a alternância
no poder. Ao contrário de outros países da América Latina, cujos partidos
são, hoje, centenários, nós vivíamos
politicamente com o modelo "sem
partido". Buscavam-se explicações.
Uma delas era que nosso sistema era
monárquico e parlamentar, enquanto
nos Estados de língua espanhola eram
republicanos e presidencialistas, que
desbordavam em explícitas ditaduras.
Na República, Campos Sales, para salvá-la, era totalmente contrário aos
partidos. Achava-os nocivos ao bem
público. Criou para substituí-los a política de governadores, na sustentação
das oligarquias estaduais. O Partido
Republicano começou a ter dissidências, que se manifestavam em outras
siglas, como a formada por Glicério
para sustentar Floriano. Mas sempre
partidos estaduais. O Brasil só viria a
ter a obrigatoriedade de partido nacional em 1945, com a Lei Agamenon
Magalhães.
Campos Sales tinha a mesma visão
de Washington, que dizia serem os
partidos políticos uma "ardilosa e ativa minoria da sociedade", "maléficos"
ao país.
Aqui convivemos com 36 partidos e
com nenhum. O próprio PT sofre da
federação de tendências, cujo equilíbrio e unidade devem-se à liderança
carismática e dominante de Lula.
Quanto aos outros, a instabilidade e
a desintegração são o exercício do cotidiano, para usar um lugar-comum.
O PSDB é basicamente um partido
paulista, uma dissidência do PMDB
de São Paulo. O PMDB era uma confederação de partidos. Foram saindo
dele os quadros que formaram os outros partidos. O PMDB ficou debilitado, sem carne, quase sem osso e sem a
presença de um nome que imponha
isenção e grandeza na presidência
-no fundo, autoridade.
A culpa de tudo isso não é, contudo,
do sistema em si. É do artificialismo,
da vontade de contrariar, na política,
aquilo que seria, na física, a lei da gravidade. O voto proporcional, uninominal, que só é praticado no Brasil, em
todo o mundo, é desagregador e estimula a luta interna e um processo em
cadeia de divisões e divisões.
Assim, os partidos são formados
sem pão (programas) e com total ausência de razão. Um pouco casa-da-mãe-joana.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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