São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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Desenvolvimento e qualidade de vida

BORIS FAUSTO


Não se trata de defender o mito romântico da intocabilidade das florestas e dos rios ou de negar a importância do agronegócio


NO DIA 21 de novembro, falando em Barra do Bugres (Mato Grosso), o presidente da República destacou, entre os fatores que travam o desenvolvimento do país, índios, quilombolas e ambientalistas, além da ação do Ministério Público.
Num só lance, atacou os direitos das populações indígenas, o de grupos negros de origem ancestral, pessoas que procuram pôr freio à destruição dos recursos naturais e uma instituição do Estado cujas funções estão previstas em mandamento constitucional. As circunstâncias em que essas palavras foram proferidas são expressivas. Ao lado do presidente, estava o governador reeleito de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), maior produtor individual de soja do mundo e, diga-se de passagem, recordista em velocidade de adesismo ao presidente reeleito.
Note-se que o Estado de Mato Grosso, nos últimos anos, sob a batuta política e a ação empresarial de Maggi, figurou em um triste primeiro lugar entre os Estados da Amazônia com maior devastação florestal nos últimos anos, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente.
Ambientalistas moderados, que têm o cuidado de fundamentar com dados seguros suas conclusões sobre os danos ambientais e as catástrofes que vêm ocorrendo em todo mundo, demonstram o que qualquer um percebe: há alterações climáticas graves, catástrofes naturais, doenças pulmonares e muitas outras provocadas pelo descaso no trato das questões do ambiente, entre os quais se inclui a poluição nas grandes cidades.
São muitas as razões pelas quais o crescimento econômico continua travado por várias décadas, mas entre elas não figuram os "vilões" apontados pelo presidente. Convém assinalar que, ao contrário, desatar o nó do crescimento só será um ganho real se, desse modo, se abrir caminho para um desenvolvimento sustentado, que preserve e melhore a já tão afetada qualidade de vida das populações.
Não se trata de defender o mito romântico da intocabilidade das florestas e dos rios ou de negar, por exemplo, a importância do agronegócio, dentro de limites adequados, cujo êxito empresarial é extraordinário. O que vozes lúcidas sustentam é que o país precisa caminhar para formas de desenvolvimento que não façam terra arrasada dos recursos naturais, com resultados no mínimo discutíveis até no plano estritamente econômico.
Relacionar o passado com o presente pode ser elucidativo. As concepções de crescimento econômico a qualquer preço e as práticas correspondentes foram o apanágio do regime militar. Infelizmente, estão longe de estar superadas nos dias de hoje.
Não é por acaso que, volta e meia, inclusive nas palavras do presidente, surgem referências elogiosas às taxas de crescimento do país naquele período. Esquece-se, assim, que elevadas taxas de crescimento econômico durante alguns anos vieram acompanhadas de desastres ecológicos duradouros, a exemplo do que aconteceu com a construção da hidrelétrica de Balbina, no Estado do Amazonas, com o programa Pólo-Noroeste de colonização de Rondônia e com a abertura da Transamazônica -esta combinando megalomania e descaso.
Ao mesmo tempo, apesar dos pesares, algo avançou, embora em ritmo incompatível com a velocidade da destruição. Boas notícias são a aprovação pelo Congresso, após 14 anos de boicote, do projeto de lei destinado a preservar a Mata Atlântica, da qual só restam pouco mais de 7% da área original. Boa notícia é também a reação que as declarações presidenciais provocaram não só em nota assinada por um grande número de organizações como pelo pronunciamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, presidido pela ministra Marina Silva.
Mas, na verdade, o tema da preservação ambiental ainda não ganhou a consciência de amplos setores da sociedade, que, muitas vezes, tem dele uma visão distorcida. Não é por acaso que, na recente campanha eleitoral, os candidatos insistiram muito na necessidade do crescimento econômico, sem nunca associá-lo, entretanto, aos problemas ambientais.
Na verdade, estamos diante de uma questão central que vai muito além das opções partidárias ou dos lances miúdos da política do dia-a-dia. Questão, aí sim, entravada por arraigadas concepções insustentáveis e por interesses de vários tipos que diz respeito não só a nós mas também à sobrevivência das gerações futuras. Mais do que em qualquer outro terreno, cabe aqui a frase conhecida, algo modificada: quem viver, se viver, verá.

BORIS FAUSTO , historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional) da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de 30" (Companhia das Letras).


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