São Paulo, segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

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Atenção ao uso da retórica antinuclear

OTHON LUIZ PINHEIRO DA SILVA e LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES


Não se consegue elaborar nenhum cenário para os próximos 50 anos sem significativa participação da fonte nuclear


O DESENVOLVIMENTO da tecnologia nuclear foi iniciado durante a Segunda Guerra Mundial, focado, dadas as circunstâncias históricas, na produção de artefatos explosivos. A humanidade conheceu essa tecnologia de forma traumática, após os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki.
Na década seguinte, o general Eisenhower, então presidente dos EUA, mudou o curso da história, lançando o programa Átomos para a Paz, direcionando a tecnologia nuclear para usos pacíficos, especialmente a geração de energia elétrica. Passados 60 anos, somente oito países são reconhecidos como possuidores de armas nucleares. Todos os respectivos programas precederam ou foram desenvolvidos independentemente da geração elétrica nuclear, que nunca foi causa ou caminho de acesso à bomba.
Não existe possibilidade de que o renascente problema da proliferação nuclear possa ser resolvido pelo abandono das usinas nucleares. A solução reside no fato de não existir Estado de direito Democrático proliferante há mais de 40 anos. Brasil e Nova Zelândia, além de serem democracias, são os únicos países nos quais as armas nucleares também são proscritas pela própria Constituição.
Hoje, 30 países possuem algumas das 439 usinas elétricas nucleares em operação, atendendo 16% das necessidades globais de eletricidade. Mais de 30 usinas nucleares se encontram em construção, dentre elas Olkiluoto, na Finlândia, e Flamanville, na França, enquanto cerca de outras 80 já estão planejadas, entre elas, Angra 3, no Brasil, e Atucha 2, na Argentina. Apesar de poucas unidades terem sido construídas durante os anos 70 e 80, as usinas nucleares existentes estão produzindo mais eletricidade. O aumento na geração nos últimos cinco anos equivale a 30 novas usinas e foi obtido pela repotencialização e melhoria do desempenho das unidades existentes.
Dezesseis países dependem da energia nuclear para produzir mais de um quarto de suas necessidades de eletricidade. França e Lituânia obtêm cerca de três quartos de sua energia elétrica da fonte nuclear, enquanto Bélgica, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Coréia do Sul, Suécia, Suíça, Eslovênia e Ucrânia, mais de um terço.
Japão, Alemanha e Finlândia geram mais de um quarto de sua energia elétrica da fonte nuclear, enquanto os EUA geram cerca de um quinto. No Brasil, a fonte nuclear foi a segunda maior geradora de eletricidade em 2006, superando o gás natural. As usinas Angra 1 e Angra 2 atenderam 41% da indispensável complementação térmica do Sistema Interligado Nacional, no qual a fonte hídrica, limpa, barata e renovável, é largamente majoritária, fornecendo 91% do total gerado.
Além das usinas nucleares para geração elétrica, existem mais de 280 reatores de pesquisa operando em 56 países. Eles têm muitos usos além da pesquisa: produção de isótopos para usos médicos e industriais. No Brasil, estão em operação quatro reatores de pesquisa e há um em construção.
Apesar de não ser proscrito pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear, do qual o Brasil é signatário, o uso de reatores para propulsão naval é restrito, por razões tecnológicas, às maiores Marinhas mundiais: Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha.
Mais de 220 reatores equipam 150 navios nucleares em operação. Eles geram energia para submarinos e porta-aviões, que desempenham os papéis fundamentais das forças navais de, respectivamente, negação do uso do mar a eventuais oponentes e controle de áreas marítimas. Índia, Coréia do Sul e Brasil desenvolvem programas para também aceder a esse uso legítimo da tecnologia nuclear.
Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável, as mais recentes análises, inclusive do próprio IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês), não conseguem elaborar nenhum cenário para os próximos 50 anos em que não haja uma significativa participação da fonte nuclear para atender as demandas de geração de energia concentrada em larga escala, ao lado das renováveis, para atender as necessidades dispersas em pequena escala.
A alternativa a isso seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente a emissão de gases de efeito estufa, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de pessoas da geração de nossos netos.


OTHON LUIZ PINHEIRO DA SILVA, 68, engenheiro naval, mecânico e nuclear, é diretor-presidente da Eletronuclear. Foi fundador e responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos da Marinha.
LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES, 47, mestre em engenharia nuclear pela Universidade de Paris (França) e doutor em engenharia naval pela USP, é assistente da presidência da Eletronuclear.

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