São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

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Fazendo o dever com responsabilidade

MARTUS TAVARES

Queixas e reclamações. É o que tenho ouvido, de alguns prefeitos recém-empossados, contra os rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas não me lembro de nenhum deles fazendo campanha eleitoral com base na irresponsabilidade. Como podem agora, depois de eleitos, fazer coro à mudança na lei sancionada em 4 de maio passado?
As críticas oscilam entre a falta de informação e a desinformação, tais como: "a lei é o símbolo da ideologia neoliberal imposta pelo FMI; é parte de uma política arbitrária do governo federal que rompe com o pacto federativo; a LRF é draconiana para os municípios, não dá prazo para os municípios se adaptarem; engessa investimentos nas áreas sociais porque impõe limites muito rígidos para dívida e pessoal; compromete a gestão atual em função da atitude irresponsável do antecessor".
Desde que cheguei ao governo federal, há 15 anos, ouço o seguinte argumento: "a dívida quem fez foi meu antecessor. Não é minha. Sou a favor de ajuste fiscal e, se precisar, eu corto. Mas é necessária uma carência". Na hora de discutir a tal carência, sempre observei que o prazo pretendido era grande o bastante para o cumprimento do ajuste recair no mandato do próximo governante.
A cultura da irresponsabilidade é tão forte que frequentemente se ouve dizer sobre o prefeito que assume: "coitado, vai pegar a prefeitura falida. Vai gastar dois anos só para arrumar a casa". Na realidade, coitados são os contribuintes que vão pagar as dívidas e esperar dois anos para ter melhores serviços.
O momento é outro. Hoje, a sociedade exige que seus governantes não gastem mais do que arrecadam porque sabe que quem irá pagar é a geração futura. Cada vez mais entende que o governo não fabrica dinheiro e que é preciso construir um caminho seguro de desenvolvimento econômico e social. O êxito com a estabilização não se tornará permanente sem a disciplina fiscal continuada. Assim como vencemos a cultura da indexação, estamos vencendo a cultura da irresponsabilidade fiscal.


Assim como vencemos a cultura da indexação, estamos vencendo a cultura da irresponsabilidade fiscal

Desconhecer os benefícios e as expectativas da sociedade em torno do comportamento de seus governantes é um erro político grosseiro. O Congresso Nacional soube entender os efeitos e os anseios em torno do tema, aprovando a lei em tempo recorde. Aos que se queixam dos rigores da lei, devo lembrar que a elaboração de seu projeto foi precedida de consulta pública, via Internet, com mais de 5.000 registros. Além disso, foram realizados debates com representantes dos Estados e dos municípios. Só então foi preparado texto final encaminhado ao Congresso, que o discutiu por 12 meses. A LRF não é resultado da pressão do FMI ou de interesses arbitrários do governo federal.
Igualmente, não fere nenhum princípio federativo, a menos que se entenda por pacto federativo a obrigação da União de socorrer financeiramente os entes federados. Por outro lado, cada governante vai se comprometer e prestar contas sobre metas fiscais para seu Legislativo. Os limites de pessoal e de dívida estão fixados em lei federal e em resolução do Senado simplesmente porque a Constituição assim definiu. O governo central nada pode impor aos entes federados por conta da LRF.
Quanto ao rótulo de draconiana e à questão da carência para sua implantação, é necessário esclarecer o seguinte: a LRF prevê uma carência de cinco anos para os municípios com menos de 50 mil habitantes, o que significa 95% dos municípios brasileiros. Estão previstos prazos para todos, sem exceção, se adaptarem aos limites de despesas de pessoal e de dívida. Além disso, o governo federal, em atenção ao disposto na própria LRF, está apoiando financeiramente os municípios menores para se capacitarem ao cumprimento da lei. No mesmo sentido, o BNDES assinou convênio com o Instituto Brasileiro de Administração Municipal para prestar treinamento e assistência técnica.
O estabelecimento de limites para pessoal, ao contrário do que estão dizendo, favorece a expansão dos investimentos sociais, pois impede um comprometimento elevado de receita para pagar servidores. A aplicação da emenda constitucional nš 25, que limita os salários dos vereadores e os gastos das Câmaras, também produzirá economias importantes, e o limite de dívida ainda será fixado por resolução do Senado.
Outro argumento utilizado pelos críticos da lei é o de que o antecessor irresponsável inviabiliza a gestão seguinte. Esquecem que o Congresso aprovou disposições muito mais rígidas para os últimos meses de mandato, em particular as vedações para fazer dívida de curto prazo -caríssimas-, ampliar a despesa de pessoal e inscrever restos a pagar em montante superior ao caixa transferido para o próximo exercício.
Como se observa, os argumentos utilizados pelos opositores não estão fundamentados no texto da lei nem na realidade da grande maioria dos municípios. Infelizmente, para alguns prefeitos, a raiz dos problemas financeiros dos municípios está no não-exercício de sua competência tributária, nos excessivos gastos com pessoal e na qualidade da gestão dos recursos arrecadados.
Diferentemente do que dizem os opositores da lei, a responsabilidade fiscal é irmã gêmea da responsabilidade social. A prudência e o uso eficiente dos recursos é que asseguram a quantidade e a qualidade dos serviços públicos prestados. Esse é o dever de casa que temos feito no governo Fernando Henrique.


Martus Tavares, 44, economista, é ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão. Foi secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento (1996-99)
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