São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

450 anos, progresso e a triste realidade

Para São Paulo, janeiro de 2004 será a marca dos seus 450 anos de vida. É desnecessário ressaltar aqui o papel da cidade na industrialização do país, na expansão cultural e, hoje em dia, na alavancagem do setor de serviços. São Paulo construiu muito.
Mas é exatamente o aproximar da festa de aniversário que me traz à mente a deterioração que ocorreu no coração da capital. No passado, éramos mais pobres, sem dúvida. Mas a cidade era mais limpa, mais bem organizada e a população era muito mais respeitosa. As famílias podiam usufruir de suas facilidades -os parques e jardins, os cinemas de higiene impecável, os cafés atraentes e até as lojas, que, apesar de pequenas, cultivavam a fidelidade dos consumidores, tratando-os com educação e cordialidade.
É claro que os tempos mudam. A vida é outra. Temos de conviver com a nova realidade. Mas não me conformo com a inércia das autoridades em relação ao número crescente dos assíduos moradores de rua em São Paulo. Um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo indicou que, em três anos, eles aumentaram 20%.
Hoje, cerca de 10 mil pessoas vivem sob os viadutos, dormem nas calçadas e lavam roupa nos jardins, numa cena deprimente e que nada tem a ver com a capital do Estado mais rico da nação.
O número está longe de ser um flagelo. Será que nossas autoridades não conseguem resolver os problemas que afligem 10 mil pessoas em uma cidade de 10 milhões de habitantes?
É claro que uma solução definitiva depende de emprego, de educação, de habitação etc. Mas não se pode querer fazer o ótimo, pois essa é a melhor maneira de não se fazer o bom. Há muito a ser feito no sentido de abrigar essas pessoas temporariamente -mas isso não basta- e de dar a elas algum treinamento atrelado a serviços públicos e privados de emergência.
A maioria dos moradores de rua é composta de homens de 26 a 55 anos. Cerca de 85% estão nessa categoria. E as crianças que ficam nas esquinas e dormem nas calçadas? Tudo indica que elas formem um grupo ainda menor -talvez umas 2.000 crianças, se tanto. Repito a pergunta: será que nossas autoridades não conseguem dar um amparo a esse irrisório punhado de menores?
São Paulo poderia comemorar os seus 450 anos de outra maneira. A cidade poderia estar mais limpa. Não se admite tanta pichação nos prédios públicos e privados e tampouco o alastramento dos que perambulam pelas ruas, praças e jardins.
Já está mais do que desgastada a tal da vontade política. Penso que seja hora de falar em responsabilidade governamental. Os impostos e taxas não param de aumentar. Nesse campo, a criatividade é imensa. Os cidadãos de São Paulo têm o direito, portanto, de demandar uma cidade mais digna.
Que a cidade de São Paulo nos dê um exemplo de grandeza cultural, incentivando a formação de bons professores e fazendo com que a cultura de nossa população seja motivo de orgulho de toda a nossa sociedade.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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