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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Como sair dessa?
O debate mundial a respeito das
alternativas, ou da falta delas,
chegou a situação paradoxal. Nunca
se difundiu tanto a convicção de que
não basta o projeto dominante -de
responsabilidade fiscal, de políticas
sociais compensatórias e de desenvolvimento de instituições que tranquilizem os "investidores". Não basta para
desenvolver as sociedades, muito menos para democratizá-las. O êxito da
China e até da Índia em trilhar caminhos ricos em heresias institucionais,
ainda quando maculados pelo despotismo ou pela corrupção, e o malogro
persistente das economias que se submeteram ao ideário dominante abalaram a autoridade e a autoconfiança
dos guardiães de uma ortodoxia malograda.
Entretanto, sucessivos governos
eleitos em nome de uma agenda de
desenvolvimento democratizante se
vêm rendendo, antes mesmo que a
rendição lhes seja exigida. Essa longa
sequência de abdicações preventivas
não tem gerado retomada de crescimento nem democratização de oportunidades. Os acontecimentos no Brasil são apenas o último episódio de
uma história que se vai tornando cada
vez mais desconcertante. Tentemos
compreender esse colapso da vontade
transformadora, ocorrido numa hora
em que a resistência ao experimentalismo democrático se enfraqueceu.
Dois fatores são decisivos: um tem a
ver com os meios de pensamento; o
outro, com os instrumentos de ação.
Os que propomos, em diferentes regiões do mundo, um rumo produtivista, voltado para inovações institucionais que capacitem os indivíduos,
democratizem o mercado e aprofundem a democracia, não conseguimos
ainda traduzir nossas propostas em
práticas, de análise e de organização,
que possam ser facilmente entendidas, reproduzidas e desdobradas. A
falta de clareza a respeito das alternativas confunde e suprime o impulso
transformador.
Ao vazio das idéias se sobrepõe uma
força que estreita a margem de manobra dos governos. O padrão-ouro, que
alcançou o apogeu nas décadas anteriores à Primeira Guerra Mundial, restringia drasticamente a autonomia
dos governos nacionais. Após o intervalo libertador do keynesianismo, ressurgiram equivalentes funcionais ao
lastro da moeda em ouro. Nas economias centrais, essa equivalência reapareceu na forma relativamente branda
do abandono de políticas anticíclicas.
Em algumas economias periféricas,
como nas da América Latina, tomou a
forma de síndrome específica: baixas
reservas, pouca poupança, liberdade
cada vez mais irrestrita de movimento
dos capitais, independência das autoridades monetárias e primazia atribuída à confiança financeira. A vulnerabilidade dos governos aos ditames
dos mercados financeiros é tratada
como solução, não como problema,
porque impõe a disciplina do dinheiro
às aventuras da política; qualquer deslize pode resultar em crise no balanço
de pagamentos. Os países em desenvolvimento que estão avançando, porém, são aqueles que rejeitaram esse
sucedâneo ao padrão-ouro. Acumulando reservas, mobilizando poupança de longo prazo para investimento
de longo prazo e subordinando as
prerrogativas do capital financeiro às
necessidades da produção, afrouxaram a corda em volta do pescoço dos
governos.
Aí está, para nós, como para qualquer país, a maneira de iniciar a fuga
do cárcere -de estagnação, de exclusão e de desigualdade- em que nos
encontramos: uma idéia clara de como usar o poder público para ampliar
o acesso a oportunidades de aprender,
trabalhar e produzir, associada a iniciativas que resguardem as condições
de originalidade nacional. Não é a
porta do paraíso; é apenas o começo
da libertação.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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