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RUY CASTRO
Música nos silêncios
RIO DE JANEIRO - Uma cantora
morreu em Nova York neste fim de
semana. Chamava-se Blossom Dearie. Tinha 82 anos e era a última sobrevivente da sua geração de "diseuses" de cabaré -intérpretes de
pequenos ambientes, especialistas
em canções com melodias e letras
elaboradas, por autores como Cole
Porter, Noël Coward, Duke Ellington, Cy Coleman, Michel Legrand,
o próprio Tom Jobim. Canções que
"dizem" coisas.
A exemplo de Blossom, esses cantores costumam ser seus próprios
pianistas, dando um suave esmalte
jazzístico ao acompanhamento. E
nenhum deles jamais foi visto num
hit parade. Ao mesmo tempo, atraíram pelos anos afora uma sólida
multidinha internacional de adoradores, unidos pela admiração comum. No Brasil, os fãs de Blossom
são tão poucos que, pelos meus cálculos, todos devem se conhecer.
Não que ela não pudesse ser de
apelo universal. O problema era
que o mundo teria de parar para escutá-la -porque a voz de Blossom,
segundo o crítico Whitney Balliett,
"mal alcançava o segundo andar de
uma casa de bonecas". Já cantava
assim, baixinho e sem sombra de vibrato, desde o começo dos anos 50,
muito antes que se atribuísse a
Chet Baker e João Gilberto a criação desse jeito de cantar.
Depois de décadas na geladeira
mesmo nos EUA, as primeiras e definitivas gravações de Blossom estão disponíveis de novo, assim como os discos que ela produziu nos
anos 70 e 80 para seu selo Daffodil.
Estão todas na internet. "Hey,
John", "I'm hip", "Peel me a grape",
"Wave", "Chez moi" e "You fascinate me so" soam melhor do que nunca, vindas do espaço e fazendo curvas entre as esferas.
Em tempos de som e fúria -cada
vez mais difícil dissociar as duas
coisas-, Blossom era a prova de
que pode haver grande música nas
pausas e nos sussurros. Bem a propósito, morreu dormindo.
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