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CARLOS HEITOR CONY
Oportunidade perdida
RIO DE JANEIRO - Ignoro quem inventou a expressão "chover no molhado", mas volta e meia me surpreendo chovendo no que foi molhado por outros. Aprendi nos bancos escolares, entre outras coisas inúteis
(Agripina, mãe de Calígula, morreu
no ano 33 de nossa era), que "chover"
é verbo impessoal, mesmo assim,
eventualmente, não temo nem tremo
ao confessar que chovo.
Chovendo, pois, no molhadíssimo
terreno da reforma agrária, registro
as últimas ocupações do MST em diversos Estados da federação. É por aí
que o governo Lula será julgado historicamente. Não pelo Fome Zero,
que é uma embromação bem-intencionada, um mutirão piedoso feito
por pios personagens de nossa paisagem, como Betinho no passado e agora o Frei Betto.
Chovo no molhado repetindo mais
uma vez que o problema da fome só
será resolvido com o aumento da
produção e do consumo, que ambos
os desafios só serão enfrentados se
concretizarmos uma reforma agrária
que transcenda aos assentamentos
de terra e, obliquamente, diminua o
fosso na renda nacional.
Aprendi isso muito antes de existir
um partido chamado PT e folguei
quando ele começou a lutar não apenas por salários e condições de trabalho mas por uma reforma agrária
que, entre os subprodutos na política
do campo, poderia colocar mais dinheiro no bolso do povo e, dessa forma, aumentar o consumo.
Eis que o PT assume o poder e descobre tardiamente a pólvora: governo é uma instituição, e não um movimento. Repete governos anteriores
que se fecharam à sociedade como
um todo e optaram pelo leito comum
onde o Brasil permanece deitado
eternamente, embora em nosso hino
nacional esse leito seja considerado
esplêndido.
Lula poderia passar à história como um Zapata bem-sucedido, um
Antônio Conselheiro sem misticismo,
mas comprometido com a sua terra.
A oportunidade de uma verdadeira
revolução está sendo desperdiçada.
Ou até mesmo perdida.
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