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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Oportunidade perdida

RIO DE JANEIRO - Ignoro quem inventou a expressão "chover no molhado", mas volta e meia me surpreendo chovendo no que foi molhado por outros. Aprendi nos bancos escolares, entre outras coisas inúteis (Agripina, mãe de Calígula, morreu no ano 33 de nossa era), que "chover" é verbo impessoal, mesmo assim, eventualmente, não temo nem tremo ao confessar que chovo.
Chovendo, pois, no molhadíssimo terreno da reforma agrária, registro as últimas ocupações do MST em diversos Estados da federação. É por aí que o governo Lula será julgado historicamente. Não pelo Fome Zero, que é uma embromação bem-intencionada, um mutirão piedoso feito por pios personagens de nossa paisagem, como Betinho no passado e agora o Frei Betto.
Chovo no molhado repetindo mais uma vez que o problema da fome só será resolvido com o aumento da produção e do consumo, que ambos os desafios só serão enfrentados se concretizarmos uma reforma agrária que transcenda aos assentamentos de terra e, obliquamente, diminua o fosso na renda nacional.
Aprendi isso muito antes de existir um partido chamado PT e folguei quando ele começou a lutar não apenas por salários e condições de trabalho mas por uma reforma agrária que, entre os subprodutos na política do campo, poderia colocar mais dinheiro no bolso do povo e, dessa forma, aumentar o consumo.
Eis que o PT assume o poder e descobre tardiamente a pólvora: governo é uma instituição, e não um movimento. Repete governos anteriores que se fecharam à sociedade como um todo e optaram pelo leito comum onde o Brasil permanece deitado eternamente, embora em nosso hino nacional esse leito seja considerado esplêndido.
Lula poderia passar à história como um Zapata bem-sucedido, um Antônio Conselheiro sem misticismo, mas comprometido com a sua terra. A oportunidade de uma verdadeira revolução está sendo desperdiçada. Ou até mesmo perdida.


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