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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Guerra, um novo dilema para o Brasil

BRAZ DE ARAÚJO

"A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a sobrevivência ou para a ruína, torna-se de suma importância estudá-la com muito cuidado em todos os seus detalhes." Assim se inicia "A Arte da Guerra", o famoso livro de Sun Tzu, escrito há 2.500 anos. Após o 11 de setembro, não podemos nos esquecer de que os Estados Unidos, que são a maior potência do mundo e se situam em nosso hemisfério, estão em guerra contra o terrorismo.
A comunidade internacional, com apoio do Brasil, manifestou sua clara solidariedade aos Estados Unidos. A decisão do presidente Bush de atacar o Afeganistão, governado pela ditadura do Taleban, teve amplo respaldo no mundo todo. Algumas exceções, porém, já se revelaram, envolvendo grupos radicais islamitas em diversos países muçulmanos e radicais de esquerda tradicionalmente antiamericanos.
A oposição à estratégia de combate ao terrorismo aumenta paulatinamente, na medida em que o regime de Saddam Hussein passa a ser o segundo foco da percepção de ameaças do governo americano. Estamos vivendo as tensões desse cenário de guerra. Torna-se necessário estudá-las com muito cuidado, em todos os seus detalhes, pois os interesses nacionais do Brasil podem ser gravemente ameaçados. Não podemos ser estrategistas ingênuos.
Todos sabemos que o Brasil tem assumido, até agora, a posição normal e esperada de sua diplomacia diante da ameaça de guerra contra o Iraque e reafirmado suas posições voltadas para o fortalecimento dos organismos multilaterais, no caso o Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, o Brasil apoiará os Estados Unidos desde que a decisão seja do Conselho de Segurança, que daria ampla legitimidade às ações militares contra o regime de Saddam Hussein, inclusive na comunidade dos países árabes. A questão não se complicará muito para a comunidade internacional se for esta a decisão.
No entanto o cenário será radicalmente diferente se, por exemplo, a França fizer uso de seu direito de veto no conselho. Neste caso, os Estados Unidos já afirmaram que vão atacar com ampla coalizão de países amigos. Este é um cenário de crise profunda, inclusive institucional, do sistema internacional, pois, no limite, a ONU perderá sua própria legitimidade. O presente cenário de incertezas vai se agravar e, provavelmente, vai desestabilizar as economias mais frágeis, como a do Brasil.
Mesmo se houver abstenções e se se abrir a possibilidade de nova maioria, no Conselho de Segurança, favorável às pretensões do presidente Bush e seus aliados, poderão ficar evidentes os interesses de algumas grandes potências em polarizar com os Estados Unidos ou se contrapor a estes. A economia mundial corre também o risco de se polarizar. Salve-se quem puder.


Sem estreita cooperação estratégica com os Estados Unidos, corremos o grande risco de não fazer nada e de implodir


Portanto um problema importante para todos os brasileiros é aquele de saber, em um futuro muito próximo, de que lado ficará o governo de nosso país: contra os Estados Unidos e seus amigos da coalizão ou a favor das posições da França e seus aliados? Eis a questão hamletiana de um possível novo dilema em novo cenário de bipolaridade.
Assim, dependendo do que acontecer nas relações dos Estados Unidos com as grandes potências ativamente contrárias às percepções de ameaças definidas pela administração Bush, ocorreriam polarização generalizada e instabilidade crescente em todo o mundo.
Com efeito, quem conhece as formulações da estratégia americana, seja de democratas, seja de republicanos, sabe que eles não se curvarão diante das ameaças terroristas, que buscarão a cooperação e que não serão sempre unilaterais. Os Estados Unidos não podem ser derrotados pelo terrorismo com apoio das diferentes torcidas antiamericanas que há no mundo. Seria um cenário catastrófico para a humanidade.
No presente momento, quem tem legitimidade para liderar a defesa dos interesses americanos é o presidente Bush. Assim é a democracia. Dependendo dos acontecimentos, ele será reeleito e poderá governar o país e liderar a guerra contra o terrorismo até 2008. Aqui no Brasil, o presidente Lula foi recentemente eleito e vai governar até 2006. A maioria esmagadora dos brasileiros deseja que governe bem. Se tiver um bom desempenho, poderá ser reeleito e governar até 2010. Qual o partido que, podendo governar por oito anos, planeja seu governo para apenas quatro? Seria uma ingenuidade.
Portanto o cenário estratégico é muito simples: a guerra contra o terrorismo poderá chegar à América do Sul muito em breve. O Brasil, por meio do presidente da República, acaba de dar resposta enfática. Vamos assumir nossas responsabilidades no contexto da cooperação. Quem se dispõe a liderar a América do Sul vai ter que assumir posições assertivas e firmes e vai precisar ter meios para assumir essa liderança. Os brasileiros precisarão estar unidos. Sem estreita cooperação estratégica com os Estados Unidos, corremos o grande risco de não fazer nada e de implodir. Sun Tzu continua atual.

Braz de Araújo, cientista político, é professor de Estratégias e Relações Internacionais e coordenador do Núcleo de Políticas e Estratégia da USP.

naippe@edu.usp.br


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