São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estradas do PT, estradas do PSDB

LUIZ TARCÍSIO TEIXEIRA FERREIRA E SÉRGIO RABELLO TAMM RENAULT


Primeira concessão estadual após o leilão das rodovias federais, sucesso em termos de tarifas, põe em questão os modelos federal e de SP


A GUERRA É outra, inevitável, inadiável, estratégica e promete ser muito cruel. Talvez não haja propriamente um vencedor, mas apenas um sobrevivente. O palco não é a selva tropical de Equador, Colômbia ou Venezuela, mas o auditório da Artesp, a agência reguladora dos transportes do Estado de São Paulo. Quando: hoje, às 10h.
Os contendedores: uma verdadeira armada ibérica, os maiores concessionários nacionais, fundos de investimentos estrangeiros, concessionário de transporte aéreo, megaexportador de carne, as maiores construtoras nacionais, entre outros.
Em jogo, a concessão por 30 anos do trecho oeste do Rodoanel, uma obra tão necessária quanto tardia, cuja demora sacrifica enormemente o trânsito das cidades e o tráfego na região metropolitana de São Paulo, baseado quase que exclusivamente no transporte sobre rodas.Um negócio sinérgico para vários dos que já operam concessões nas estradas federais, nas paulistas e também para aqueles que pretendem disputar os futuros lotes de concessões paulistas, em fase adiantada de gestação.
Quem vencer desembolsará uma outorga no valor de R$ 2 bilhões num prazo de dois anos, mais um ônus mensal de 3% sobre a receita operacional, que servirão ao Estado para bancar as despesas com o chamado trecho sul, em construção. O vencedor será aquele que, suportando todos os investimentos previstos, ofertar a menor tarifa no intervalo entre R$ 0,01 e R$ 3, tarifa máxima fixada.
A primeira concessão estadual pós-leilão das rodovias federais -um sucesso em termos de tarifas irrisórias- põe em questão exatamente os modelos adotados pelos governos federal e estadual de São Paulo. E a pergunta surge inevitável: qual dos dois é o melhor modelo? A questão assim posta é muito simplista.
Por trás do palco digladiam-se o modelo petista e o tucano de administração das próprias concessões. A favor do modelo federal, põe-se o fato concreto de que o último leilão logrou obter tarifas baixíssimas, impensáveis entre os próprios concorrentes.
Privilegiou-se claramente a questão tarifária. Contra, sustenta-se que o modelo é muito bom apenas pelo aspecto tarifário. De fato, os contratos prevêem somente um conjunto básico de intervenções nas estradas concedidas -não muito detalhado, diga-se- e a sua manutenção em parâmetros razoáveis. As estradas melhorarão, com certeza, e também o nível de atendimento ao usuário; mas nunca serão grandes autopistas, como é o caso da rodovia dos Bandeirantes, por exemplo, que ganhou uma quarta pista antes que o tráfego a estrangulasse, fato baseado na exigência contratual de um certo "nível de serviço".
A rodovia federal Presidente Dutra, por exemplo -embrião do modelo federal da última geração-, ótima perto do que já foi um dia, nunca será melhor do que já é hoje, considerando-se o contrato firmado. O modelo, dizem, é muito "apertado", não permitindo elevação nos níveis de serviço.
Qualquer nova obrigação atual ou futura ao concessionário exigirá elevação da tarifa. Já o modelo estadual -muito mitigado depois do resultado das concessões federais- prevê agora uma tarifa máxima em valores mais altos e níveis de serviço mais elevados, compatíveis com os das estradas já concedidas.
Peca, entretanto, pelo abuso na exigência de outorga ao Estado, verdadeiro sócio do concessionário, que receberá num curto prazo um volume fantástico de R$ 2 bilhões, mais um ônus de 3% mensais sobre a receita operacional, recursos que legalmente deveriam ser retirados do Orçamento do Estado. Representa autêntica tributação indireta, de constitucionalidade muito duvidosa. Esse pagamento de outorga constitui fator claramente limitador à participação de empresas pequenas ou médias, ainda que consorciadas, o que não ocorre no modelo federal.
O reflexo tarifário seria imediato e, claro, quem pagaria a conta seria o usuário da estrada, como já ocorreu nas concessões de dez anos atrás, pois não há milagre com um sócio com esse apetite.
Mas sobra dinheiro no mundo dos negócios e falta mercado. E os contendedores precisam desse mercado. Atrás deles muita liquidez; pela frente, margens de ganho impossíveis na Europa e na América.
A guerra promete ser mesmo cruel, com conseqüências políticas relevantes para os maiores protagonistas do cenário político nacional.


LUIZ TARCÍSIO TEIXEIRA FERREIRA , 48, advogado, é ex-secretário dos Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy) e autor do livro "Parcerias Público-Privadas: Aspectos Constitucionais" (Fórum).

SÉRGIO RABELLO TAMM RENAULT , 49, advogado, foi secretário nacional da Reforma do Judiciário (2003-2005) e subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005-2006).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Miguel Reale Júnior e René Ariel Dotti: Um estatuto da liberdade de imprensa

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.