São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

De tsunamis, vulcões e terremotos

BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA

"Hoje, o Brasil morreu um pouco." Assim definiu um de nossos compatriotas o sentimento que perpassou inúmeros espíritos depois do vândalo ataque de 2.000 militantes da Via Campesina (sob a liderança do Movimento das Mulheres Camponesas, ligadas ao MST) contra a empresa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul.


Os ditos "movimentos sociais" usurpam funções específicas de agentes do Estado e assumem o papel de justiceiros populares


Após pernoitarem num seminário de padres capuchinhos, as invasoras, em operação de alta precisão, depredaram estufas, sistemas de irrigação, viveiros de mudas, instalações e equipamentos do laboratório, destruindo o trabalho de mais de 20 anos de pesquisa. Estupefato, o país assistiu pela TV ao pranto da pesquisadora Isabel Gonçalves, que viu o esforço de anos aniquilado pelo fanatismo ideológico.
Numa seqüência articulada, ao terrorismo dos atos se seguiu o das palavras. Os mais destacados líderes do MST (João Pedro Stédile e Jaime Amorim), em agressivas declarações, escarneceram do pranto da pesquisadora e reiteraram seu apoio à invasão da Aracruz, a qual visaria, segundo seus demagógicos slogans, denunciar o avanço do "deserto verde" (sic). Após lamentar frouxamente a ação dos comparsas ideológicos, um sorridente ministro Miguel Rossetto recebeu, no dia seguinte, militantes da Via Campesina no evento a favor da reforma agrária organizado pelo governo e pela FAO.
Animados pelo clima de impunidade, cerca de mil integrantes da Via Campesina (a maioria deles ligados ao MST) invadiram depois o campo experimental de sementes da multinacional Syngenta, no Paraná, alegando práticas ilegais por parte da empresa.
Os ditos "movimentos sociais" (sempre habilmente resguardados pela ausência de figuras jurídicas definidas) passam, assim, a usurpar funções específicas de agentes do Estado e a assumir o papel de justiceiros populares.
A comoção criada no país pela dimensão e gravidade dos atos criminosos, de natureza terrorista, atentatórios aos interesses nacionais, clamava por uma intervenção imediata e inequívoca do poder público. Como bem afirmou esta Folha em seu editorial "Cangaço revolucionário" (10/3), é "com polícia e processo judicial que se "dialoga" com quem invade e destrói".
Entretanto, à afronta se somou a sensação clamorosa de impunidade. Inclusive por parte de um presidente que parece ter abdicado de seu dever de garante da ordem e da lei; ou, mais grave ainda, de um presidente que, desafivelando a máscara de sua postiça moderação, acoberta decididamente, em nome de determinada ideologia, ações de grupos marginais e terroristas.
Stédile, ao conceder entrevista à grande imprensa a propósito da invasão da Aracruz, deixando de lado as cautelas, foi bem explícito quanto aos ideais que presidem seu movimento insurrecional. Vendo na propriedade privada (o demonizado "agronegócio") a fonte de todos os males, propõe a abolição do atual modelo político-socioeconômico e a implantação de novos mecanismos de participação popular. Na prática, um modelo que ponha fim ao capital, à competitividade, ao lucro, ao luxo, aos avanços técnicos; que aniquile as imensas estruturas econômicas, políticas, administrativas e sociais; um modelo, enfim, digno dos delírios mais extremados e assassinos de regimes como o do Khmer Vermelho, no Camboja.
Será para um futuro fanatizado, assemelhado a esse, que nos conduzirão quatro anos de um novo governo PT?
A hipótese pode parecer exagerada. Mas, em meio às incendiárias e impunes declarações de apoio à invasão da Aracruz, Stédile manifestou sua firme esperança na reeleição do presidente. E nesta Folha, Frei Betto, arauto da Teologia da Libertação, sugeriu o nome de Stédile para vice na chapa.
Quando se analisa a conjuntura nacional, se tem a impressão de que os atuais governantes e seus conselheiros parecem realmente não saber debruçar-se sobre a realidade de nosso público, analisar seus anseios, os temores, os descontentamentos, as inconformidades e indignações. Encarcerados nos edifícios de suas utopias, cedem à tentação de imaginar a realidade e querer conformá-la a seus desígnios, ignorando as movimentações, de fundo psicológico e ideológico, que se vão operando nas profundezas do espírito público.
Um dos aspectos mais terríveis de fenômenos como tsunamis, erupções vulcânicas e terremotos é o fator surpresa. Entretanto, esse caráter inesperado é só aparente. Antes que as massas avassaladoras de água, as colunas de chamas e de lavas ou os tremores e abalos causem, na superfície, males devastadores, uma gestação profunda -e, às vezes, surda- se deu nas entranhas da terra.
Não estarão esses protagonistas da esquerda (tantas vezes tragicamente acobertados por figuras eclesiásticas) produzindo nas profundezas da opinião pública uma ruptura que, daqui a pouco, eclodirá num tsunami, numa erupção vulcânica ou num terremoto?
Perguntar não ofende.

Dom Bertrand de Orleans e Bragança, 65, é tetraneto de dom Pedro 1º.
@ - dombertrand@terra.com.br



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