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RUY CASTRO
Ancião satânico
RIO DE JANEIRO - O roqueiro
Keith Richards, braço armado dos
Rolling Stones, admitiu outro dia
que cheirou as cinzas do próprio
pai, morto em 2002, aos 83 anos. O
relato de Richards não podia ser
mais cru. Disse que misturou as
cinzas de seu pai com cocaína e
cheirou tudo junto. E que o velho,
se já não estivesse pulverizado, teria achado ótimo.
No dia seguinte, a agente do guitarrista, pressentindo um certo
mal-estar, tentou desmentir. Segundo ela, Keith estava "brincando". O próprio Richards afinou e
disse que, na verdade, usou as cinzas para adubar uma árvore. Não
colou. Acho a primeira versão mais
de acordo com o junkie sarcástico e
cruel que, nos anos 70, se gabava de
fazer seu cachorro tomar LSD.
Keith Richards está com 64 anos,
idade tida como provecta no rock e
em toda parte (cf. "When I'm 64",
dos Beatles). Dentro de mais um
ano, será legalmente um ancião. Se
fosse brasileiro, teria direito a passe
livre em ônibus e a furar a fila nos
bancos. Claro que, seja onde for,
nunca precisará gozar desses privilégios, porque é quaquilionário.
Mas não será surpresa se, em breve,
passar a ser levado por uma babá
para tomar sol no jardim, de boina,
cachecol e com uma manta quadriculada no colo.
A antiga "majestade satânica"
dos Stones, que justificaria a ignomínia de cafungar os restos paternos, soa deslocada na boca de um
macróbio -parece coisa do tempo
em que Dondon jogava no Andaraí.
E quero crer que os fãs originais do
conjunto evoluíram. Se eram adolescentes em 1964, quando os Stones surgiram, significa que, hoje,
terão quase 60 anos. Muitos serão
avós. Não devem ter gostado da piada porque sabem que não falta
quem siga sugestões cretinas e, de
repente, eles estarão sujeitos a ser
cheirados por um neto junkie mais
afoito.
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