São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

Miopia e ingenuidade

UMA DAS discussões menos produtivas é filosofar, genericamente, sobre "concorrência", "eficiência", "vantagens comparativas", "escolhas de vencedores e perdedores", "proteção ao cidadão ou proteção à produção", "conseqüências inevitáveis da globalização", "mão-de-obra barata", "taxa de câmbio como produto natural de um fenômeno natural", "taxa de juros como resultado dos desmandos passados" etc.
Quando examinada com um pouco mais de cuidado, a "ciência" extraída dessa "filosofia" apresenta-se como um conjunto de conteúdo vazio. Freqüentemente, tal filosofar pressupõe coisas estranhas: 1º) que existem condições absolutamente isonômicas dentro dos países que participam do comércio internacional e que, portanto, a competição é moralmente sustentável, porque "todos têm as mesmas condições", e praticamente desejável, porque "melhora, ao mesmo tempo, o atendimento das preferências dos consumidores e o uso mais econômico dos fatores"; 2º) que existem "cidadãos-consumidores" que não são, simultaneamente, "cidadãos-produtores"; 3º) que o pleno emprego está sempre garantido, porque quem perde um posto de trabalho no setor submetido à competição externa encontrará, sempre, outra atividade onde ele será economicamente mais eficiente; 4º) que as instituições (mercado de trabalho, assistência social, previdência etc.) são as mesmas em todos os países; 5º) que, para o trabalhador (um animal misantropo e nômade, que se reproduz ocasionalmente quando encontra uma fêmea no seu "território"), é absolutamente indiferente estar no Brasil, na China ou em Moçambique; 6º) que o "espaço" (a geografia) e o "tempo" (a história) se reduzem, o primeiro, a um "ponto" (as distâncias não existem) e, o segundo, está "suspenso" (a história não existe). Há muito mais curiosidades naquele filosofar que não cabem neste "suelto".
Nenhuma dessas hipóteses tem qualquer "semelhança com países ou pessoas vivas ou mortas". A conclusão, portanto, que o "aumento da produção de tal ou qual país é devido à sua maior eficiência e produz um ótimo pareteano para o mundo", uma vez que ele "enriquece a todos sem empobrecer ninguém", está longe de ser demonstrada.
A idéia de que a "super" valorização da taxa de câmbio que estamos vivendo é produto natural da "melhoria das condições da economia" é, no mínimo, risível. Ela está destruindo uma parte eficiente da produção brasileira, submetida a uma míope política cambial, apoiada apenas na ingenuidade nacional.


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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