São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O G20 carece de legitimidade e precisa mudar

JONAS GAHR STORE


A atuação do G20 é um retrocesso no modo como a cooperação internacional é conduzida desde o fim da Segunda Guerra Mundial


APESAR DE países ricos e pobres ainda serem assolados por déficits crescentes e desemprego em alta, o pior da crise financeira mundial já passou. A questão em pauta é como a comunidade internacional pode formular estratégias para deixar para trás a Grande Recessão.
Não obstante a liderança exercida pelo G20 em resposta às crises financeira, econômica e de desenvolvimento, sua atuação representa um grande retrocesso na forma como a cooperação internacional vem sendo conduzida desde o término da Segunda Guerra Mundial.
O G20 vem se estabelecendo como o principal fórum internacional de tomada de decisão em matéria financeira e econômica nos últimos anos. Substituiu o G7 e o G8 e vem ocupando espaços antes reservados às organizações internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a ONU. A cada encontro, o G20 se fortalece institucionalmente como o principal órgão de cooperação e governança global.
Esse desdobramento já auferiu alguns benefícios. A inédita cooperação entre potências emergentes e estabelecidas, alcançadas por meio do G20, possibilitou a estabilização da economia mundial, evitando contágio, graças a uma rápida e massiva intervenção nos mercados globais. Agora que o pior da crise começa a se dispersar, é imperativo que o G20 pondere sobre sua legitimidade.
O G20 tem maior representatividade que o G7 e o G8 -grupos que o antecederam representando os interesses dos países industrializados-, mas ainda carece de legitimidade. Não se trata de uma entidade eleita, mas de um agrupamento autoconvocado, estabelecido sem o consentimento das outras nações. Vários países, inclusive a Noruega e os países nórdicos, que tiveram tradicionalmente participação intensa na cooperação internacional, encontram-se excluídos do grupo.
Ainda, países de baixa renda e do continente africano ficaram praticamente sem representação.
A difusa composição do G20 carece de clareza. Alguns dos países não pertencentes ao grupo, entre eles os nórdicos, que com tantos recursos já contribuíram para o fomento do desenvolvimento e que tiveram participação ativa na criação das instituições de Bretton Woods, possuem maior significado sistêmico e PIB superior ao de vários países do G20.
Conforme mostrou a resposta à crise financeira, pode ser oportuna a presença de um fórum reduzido e ágil, capaz de dar respostas rápidas quando necessário.
Seguem algumas providências simples que poderiam aprimorar a representatividade do G20 no mundo. Como primeiro passo, os membros e não membros do G20 precisam realizar consultas para o estabelecimento de um arcabouço de interação. Como fundamento, deveria ser criado um sistema de bases constituintes geográficas livremente constituído e com os atuais membros do G20 servindo de núcleo.
Isso já remediaria a maior falha do sistema atual. Há muito tempo, a representação dos países nórdicos e bálticos perante o FMI e o Banco Mundial vem sendo realizada por meio de constituintes regionais, num modelo que poderia ser replicado no contexto do G20.
Vivemos em um mundo interconectado, onde decisões econômicas provenientes de um país podem ter consequências transfronteiriças.
A representatividade do G20 se tornará mais importante na medida em que sua agenda avance para além de questões econômicas e passe a abranger temas como saúde pública, desenvolvimento e mudanças climáticas, cujas reais consequências econômicas e políticas afetam todas as nações.
O respeito pelo direito internacional e pela legitimidade global como bases da cooperação multilateral é necessário e de interesse de todos os países. É também uma tradição muito valorizada pela Noruega, um dos países que mais contribuem com assistência internacional e financiamento de organizações internacionais em todo o mundo.
Nossa convicção multilateralista se fundamenta em idealismo consciente, forjado no rastro de uma guerra brutal que quase destroçou o mundo. Não há espaço na comunidade internacional atual para o espírito do Congresso de Viena, no qual as grandes potências se reuniram para impor seu governo ao mundo.
Caso a cooperação no G20 resulte na imposição de suas decisões sobre a grande maioria de outros países, rapidamente se comprovará impotente. A casa da governança global não subsistirá, se dividirá contra ela mesma.

JONAS GAHR STORE é ministro das Relações Exteriores da Noruega. Foi secretário-geral da Cruz Vermelha norueguesa (2003-2005) e secretário de Estado e chefe de gabinete do primeiro-ministro do mesmo país (2000-2001).


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