São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Uma grande mudança que nada altera
SERGIO SEIBEL
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator do projeto de lei aprovado, apesar do discurso modernizador e liberalizante, manteve certas incongruências, "filigranas" que, no entanto, revelam-se de fundamental importância para quem continuará sofrendo na pele os rigores da lei, quando sancionada e regulamentada. É dos usuários de drogas que estamos falando. Em seu relatório, o deputado escreve que "a grande virtude da proposta é a eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e dependente". Logo a seguir, "ressalvamos que não estamos, de forma nenhuma, descriminalizando a conduta do usuário -o Brasil é signatário de convenções internacionais que proíbem a eliminação desse delito". Mas parece desconhecer o ilustre deputado que muitos países se afastaram da linha repressiva norte-americana da "guerra às drogas", até há bem pouco hegemônica e imposta pelos EUA às convenções da ONU. O que nos descreve ainda o deputado relator é que "fazemos apenas modificar os tipos de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade como pena principal". "Para que o condenado não possa se subtrair ao cumprimento das penas restritivas de direito previstas no substitutivo que ora apresentamos, estabelecemos a possibilidade de condenação do usuário nas penas do artigo 330, do Código Penal em vigor." Quer dizer, o usuário continua penalizado. Como nos descreve em seu alentado relatório o deputado Pimenta, "caso não cumpra as penas restritivas brandas, novas medidas penais serão definidas". Não era necessário tanto esforço para um simples jogo de palavras. Devido às evidências da falência do modelo religioso-moralista e proibicionista até agora em vigor, impondo a abstinência total do uso de drogas, os países da União Européia vêm adotando posturas descriminalizantes no que diz respeito ao usuário de drogas, optando por estratégias de minimização dos danos relacionados ao uso das substâncias psicoativas, dentro de um princípio de racionalidade científica e de resgate da cidadania, que vem mostrando resultados bem mais eficientes. O objetivo não é a marginalização do usuário, mas sim a sua inclusão na sociedade. Não seria hora de repensar o modelo que temos e delinear o que de fato queremos? A questão do consumo deve ser encarada como exclusiva do âmbito da saúde pública, nunca da esfera criminal. É preciso contrariar as judiciosas palavras de Lampedusa na epígrafe deste texto, em "O Leopardo"; é verdadeiramente necessário que as coisas mudem para que não fiquem a mesma coisa. E melhorem. Seriedade, senhores. Sergio Seibel, 59, psiquiatra, doutor em saúde mental pela Unicamp, pesquisador associado à Faculdade de Medicina da USP, é presidente do Comitê Multidisciplinar de Estudos em Dependência do Álcool e outras Drogas, da Associação Paulista de Medicina. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Carlos de Meira Mattos: A globalização da estratégia terrorista Índice |
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