São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A globalização da estratégia terrorista

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Do ponto de vista da história e da criminalidade, o atentado terrorista não é novidade. A história registra centenas de violentas agressões visando provocar o terror. Entretanto sempre tiveram como alvo um motivo pessoal, grupal ou, no máximo, regional .
A novidade que agora a humanidade está vivendo, completamente indefesa, é a atual feição global do terrorismo internacional, capaz de ameaçar a população de qualquer parte do planeta -ameaça manifesta pela inquietação permanentemente perturbadora da normalidade da vida da sociedade e pelo massacre destruidor e assassino, inesperado, surpreendente, imprevisível, como foram os de 11 de Setembro de 2001, em Nova York e Washington, e o mais recente, em Madri.
Os sociólogos e historiadores estudiosos do fenômeno terrorista costumam classificá-lo como terrorismo político e terrorismo religioso ou ideológico. No passado, os atentados terroristas mais notáveis foram contra o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria, que ocasionou o irrompimento da Primeira Grande Guerra (1914-18); o assassinato de Leon Trótski, líder comunista exilado no México (1940), que resultou na consolidação da liderança única de Stálin na direção do partido comunista e da União Soviética; e a eliminação de Mahatma Gandhi, maior figura do movimento de independência da Índia.


A sociedade ocidental cristã está submetida ao império do medo. O medo inibe a iniciativa e limita a liberdade


Todos esses episódios sangrentos, perpetrados por terroristas fanáticos, abalaram a opinião pública mundial, mas nunca chegaram a ameaçar a estrutura de poder dominante no planeta.
Os maiores conflitos bélicos dos séculos 19 e 20, a Guerra Franco-Alemã, a Primeira Grande Guerra e a Segunda Guerra Mundial, cuja ferocidade resultou em dezenas de milhões de mortos, sempre preservaram um estreito campo de negociação e de entendimento entre os beligerantes no que dizia respeito ao sentimento humanitário de respeito à vida dos prisioneiros e feridos (Convenção de Genebra e Cruz Vermelha Internacional).
Os terroristas fanáticos do islamismo conseguiram dar uma dimensão de ameaça mundial ao mundo "infiel" e aos seus inimigos selecionados, utilizando como arma de agressão o homem suicida, que despreza a vida e, tendo conseguido organizar uma estrutura de comando central, está colocando em estado permanente de choque os governos e as populações que listam como inimigas.
O equilíbrio da estratégia mundial, confiado durante séculos aos centros de poder do Ocidente, está seriamente abalado. Faltam-lhes armas para prever e confrontar a expectativa da ação insidiosa, brutal, imprevista e desumana a que estão expostos.
Pela primeira vez no decorrer da história, as nações mais bem armadas vêem-se ameaçadas diante uma nova fonte de poder, cuja imposição não é o confronto bélico, mas a dominação pela terrível incerteza de uma agressão, praticada por combatentes suicidas -incerteza que não atinge apenas os instrumentos se segurança, mas toda a população considerada inimiga.
O general estrategista chinês Sun Tzu escreveu cerca de 500 anos antes de Cristo um livro, "A Arte da Guerra", que só foi conhecido no Ocidente, em meados do século 19, graças a sua tradução por um missionário francês que viveu longos anos em Pequim. Nessa obra, Sun Tzu desenvolve a teoria de que, na guerra, é possível derrotar o inimigo evitando o choque armado, evitando destruir o Exército e o país visado, "empregando largamente a ação psicológica, a intimidação" (hoje diríamos terror). Diz ainda que "a batalha deve ser vencida muito mais pela pressão psicológica do que pelo choque das forças".
O pensamento milenar de Sun Tzu voltou à evidência nos dias de hoje.
A sociedade ocidental cristã, em particular os povos visados, está submetida ao império do medo. O medo inibe a iniciativa e limita a liberdade, apanágios da civilização ocidental cristã.
As ameaças apocalípticas representadas pela dimensão global assumida pelo terrorismo internacional foram objeto, recentemente, de uma ampla conferencia internacional, em Alexandria, Egito. O título da conferência, "Hegemonia e Civilização do Medo", por si só diz das preocupações que assumem os líderes esclarecidos, do Ocidente e do Oriente, ali reunidos.
Seria uma catástrofe a evitar a qualquer custo passarmos da civilização da informática para a civilização do medo.

Carlos de Meira Mattos, 90, general reformado do Exército e doutor em ciência política, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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