São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma aliança para o futuro

JOSÉ MANUEL BARROSO E WOLFGANG SCHÜSSEL

Imagine o potencial de uma parceria entre 58 Estados soberanos, correspondente a mais de mil milhões de pessoas e representando mais de um quarto do PIB mundial. A relação estratégica entre a União Européia, a América Latina e as Caraíbas apresenta precisamente este potencial e a próxima cimeira de chefes de Estado a se realizar em Viena nos dará a oportunidade de definirmos o futuro desta associação dinâmica.


Esperamos que os responsáveis políticos da América Latina retribuam o compromisso da União Européia


Desde o arranque do nosso processo de cimeiras bi-regionais no Rio de Janeiro, em 1999, a parceria tem vindo a registar progressos constantes, assistindo-se a uma cooperação cada vez mais intensa em toda uma série de domínios, tanto na esfera comercial como política. A UE é o segundo maior parceiro comercial, a mais importante fonte de investimento direto estrangeiro e a principal fonte de assistência em termos de cooperação para o desenvolvimento na região.
Todavia, atendendo ao potencial a longo prazo desta relação, muito continua ainda por fazer para tirar pleno partido dos benefícios desta importante aliança. Poucas regiões do mundo se apresentam como parceiros tão próximos e tão naturais da UE. Para além de partilharem uma história comum, verifica-se uma enorme interação cultural entre a Europa, a América Latina e as Caraíbas, para além de uma crescente convergência no que respeita a valores básicos.
Temos de partir da parceria existente, cujo desenvolvimento até agora tem exigido grandes esforços de todos nós: uma parceria que nos permitirá, em Viena, encetar um diálogo sobre um leque alargado de questões, desde a energia e o ambiente até a democracia e os direitos do homem.
Tendo presente esta oportunidade, a Comissão Européia adotou estratégias renovadas para a América Latina e para as Caraíbas em dezembro e março, respectivamente, destinadas a reforçar e acelerar a nossa aliança bi-regional. O âmbito das nossas propostas reforça o interesse específico da UE na região e sublinha a nossa convicção de que a associação UE-ALC é fundamental para defender os interesses de ambas as regiões.
As estratégias centram-se nos três objetivos temáticos da parceria, designadamente, o combate à exclusão social e a vontade de promover tanto a integração regional como a cooperação multilateral.
Na cimeira, ambas as partes afirmarão o seu empenhamento permanente relativamente a estes objetivos por meio de um diálogo estruturado e de uma ação comum. Um dos recentes resultados concretos desta cooperação consistiu no lançamento do programa EUROsociAL em março de 2005, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais mediante a partilha de boas práticas nos domínios da saúde, da educação, da política fiscal e da justiça. O contributo dos governos da UE foi crucial para o êxito deste projeto.
A UE desempenha um papel único à escala mundial na ajuda à região da América Latina e das Caraíbas para ganhar influência através dos processos de integração regional e sub-regional. Neste contexto, a cimeira de Viena representa uma oportunidade crucial para avançar com as negociações sobre os acordos de associação. Apesar de a obtenção de progressos nesta frente não estar de modo algum garantida, esperamos que a cimeira permita uma evolução positiva a nível da negociação de um acordo pioneiro entre regiões com o Mercosul e a eventual abertura de negociações com a América Central e a Comunidade Andina.
A cimeira de Viena ocorre num momento marcado por profundas alterações no cenário político e econômico da América Latina. Tem sido atribuída enorme atenção ao surgimento de um novo estilo em termos de abordagem política na região, que alguns consideram desafiar abertamente as tradicionais estruturas políticas, econômicas e sociais. Este fenômeno não deve ser encarado de forma negativa, devendo antes ser inserido no contexto de uma evolução que se impunha há longa data em direção a sociedades mais inclusivas. Por conseguinte, o importante é assegurar que esta transição se processe por meio de instituições democráticas existentes e credíveis.
A América Latina e as Caraíbas continuam a desenvolver-se em termos de crescimento econômico e de democratização. Dado o nível de maturidade política em toda a região, estamos presentemente na fase em que ambos os lados devem formular uma visão clara para o futuro da parceria. Na cimeira de Viena, esperamos sinceramente que os responsáveis políticos da América Latina e das Caraíbas nos estendam também a sua mão em sinal de amizade e retribuam o compromisso assumido pela União Européia.
Como Gabriel García Márquez afirmou no seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel em 1982, "a América Latina não deseja nem tem qualquer razão para ser um peão sem vontade própria". No quadro das suas relações com a União Européia, estamos convictos de que a América Latina e as Caraíbas saberão encontrar os meios necessários para se tornarem verdadeiros atores a nível mundial.

José Manuel Barroso, 50, mestre em ciência política pela Universidade de Genebra, foi primeiro-ministro de Portugal e é o presidente da Comissão Européia; Wolfgang Schüssel, 60, advogado, é chanceler (premiê) da Áustria.


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