|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
Crimes há, criminosos não há
BRASÍLIA - Em março de 1998, as
queimadas em Roraima evoluíram
para o que se chamou de "megaincêndio do século", mas a primeira
foto de capa dos jornais foi de uma
agência estrangeira. Só aí a imprensa nacional tomou-se em brios e
deu o devido destaque.
O Norte volta à pauta. O principal
mais-que-suspeito mandante do
assassinato da irmã Dorothy foi
inexplicavelmente (ou não?) inocentado, para espanto geral e vergonha brasileira, reforçados pela informação da Comissão Pastoral da
Terra de que, de 1971 a 2007, houve
819 mortes por conflitos agrários
no Pará, mas não há hoje um só
mandante preso. Crimes houve,
criminosos não há.
A reserva Raposa/Serra do Sol
também virou um palco de guerra,
com fazendeiros e índios armados,
as autoridades da região divididas, a
polícia sem saber para onde (e de
quem) correr, enquanto o Planalto
finge que é pró-todos, e o Supremo
não decide pró-ninguém.
E o que dizer dos mortos no naufrágio de um navio que transportava pessoas como gado, sem registros legalizados, dando de ombros
para a fiscalização e até para as multas? Foram 45 (ao que se saiba) pessoas, 45 brasileiros mortos. E pode
ter mais. Quantas embarcações estão irregulares? Quantos passageiros estão ao deus-dará?
Vimos, com todo o horror que o
caso merece, uma menina de cinco
anos ser espancada, esganada e jogada do quinto andar de um apartamento de classe média em São Paulo. A comoção não pára nunca. Mas
uma menina índia de cinco anos foi
morta por dois homens armados
que invadiram sua aldeia no Maranhão, na segunda-feira, na calada
da noite. E a comoção, se houve, durou um dia, talvez algumas horas.
O Brasil é maior do que sua mídia,
do que sua imprensa. Maior do que
São Paulo, Rio, Brasília. Maior do
que PT e PSDB. Maior do que Lula,
Dilma, Agripino e dossiê. Mas continua um gigante sonolento quando
quem sofre é o pobre, a periferia.
Acorda, Brasil!
elianec@uol.com.br
Texto Anterior: São Paulo - Clóvis Rossi: O pacto Lula/Bush Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A pobreza da abundância Índice
|