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JOSÉ SARNEY
Mister se torna neoliberal
As palavras , como tudo na vida, sofrem a ação inexorável do
tempo. Nascem, amadurecem, têm
seu instante de esplendor e depois
morrem. Ao contrário dos seres vivos,
ficam insepultas. Veja-se a palavra
"sevandija". No século 19, não se escrevia um artigo, uma catilinária, sem
que ela fosse empregada. Hoje, ninguém mais se lembra do que é. Caiu
no túmulo das palavras mortas. Até ficou um título de saber conhecer palavras arcaicas. Luís Carlos Bello Parga,
que foi senador e um dos mais cultos
colegas que tivemos naquela Casa, era
respeitado porque "sabia línguas
mortas" e gastava seu lazer em traduzir inglês arcaico.
Agora, vejo a notícia de um manual
de um partido político cuja finalidade
é fugir como o diabo da cruz da palavra "neoliberal". Neoliberal passou a
ser insulto, e ninguém quer ser. Já
houve um tempo em que era moderno ser neoliberal. Hoje é anátema.
Niemeyer, outro dia, em artigo bem
a seu jeito, enfrentou a horda púnica e
proclamou: "Sou stalinista". Na autoridade dos seus 96 anos, não tem medo das palavras. Mas acrescentou, numa síntese bem esclarecedora, que as
idéias políticas destes dois últimos séculos estavam balizadas com Karl
Marx e Adam Smith. Este, o liberal, o
do mercado senhor de todas as soluções; aquele, o utópico, senhor de todas as esperanças. Chamar alguém de
liberal, há alguns anos, era chamá-lo
de dinossauro, troglodita e filho da
mãe. Hoje, marxista é a mesma coisa.
Então nasceu o "neo" como escudo e
vacina contra todas as censuras.
O Consenso de Washington foi o código neoliberal, a lei de Moisés a ser
seguida por todos. O negócio fez água
e a tal ressurreição da humanidade pelo neoliberalismo foi colocada sob inquisição.
Daí a aversão ao neoliberalismo.
Quem foi diz que não é; quem é diz
que não foi. O que se foi, realmente, foi
o neoliberalismo.
Eu, por meu lado, nunca fui nessa
conversa. Com certo conservadorismo, fiquei ao lado do que era avanço
para a minha geração: o estado de
bem-estar social, este que o neoliberalismo destruiu. A modernidade era a
velharia e, hoje, a velharia passou a ser
modernidade. "Neoliberal" ou "neo-social" são, assim, palavras que estão
no caminho do abandono.
"Liberal" tem acepção diferente em
cada lugar. Nos Estados Unidos, ser liberal é assim como radical de esquerda aqui. Uma eleitora do Partido Republicano certa vez me disse: "Roosevelt? Liberal! Comunista!".
Num seminário da Abdib, pediram-me que falasse sobre desenvolvimento
sustentável. Comecei por dizer que assisti, durante a minha vida, ao nascimento da palavra "desenvolvimento",
na década de 50. Foi Juscelino quem a
popularizou. Antes era "progresso".
Agora, a moda é "desenvolvimento"
com o adjetivo "sustentável". Essa expressão passou a ser a "big word".
Ser atual e moderno é dizer que "temos de aprofundar a discussão, lutar
pelo desenvolvimento sustentável e
nada de neoliberalismo".
Fico de pé-atrás com esse jogo de palavras. Vivaldi, meu saudoso e velho
amigo presidente da Academia de Letras de Minas Gerais, sempre dizia que
tinha horror à palavra "inclusive".
Eu disse que também detestava muitas palavras e expressões. Mas a pior
de todas é a horrorosa "mister se torna" neoliberal.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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