São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2004

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GABRIELA WOLTHERS

As duas penas de morte

RIO DE JANEIRO - Eduardo, 32, era motorista. Morava na Tijuca, na zona norte do Rio. Na quinta-feira da semana passada, estava tomando uma cerveja com amigos, alguns moradores do morro dos Macacos. Um desses amigos pediu carona para encontrar a namorada na favela. Mal chegaram, encontraram um grupo de traficantes que, sem dizerem uma palavra, começaram a atirar.
Eduardo ainda tentou fugir, mas foi atingido nas costas por um tiro de fuzil. Os dois morreram. Os corpos não foram até hoje encontrados. Nos sussurros da favela, a história que contam é que o amigo de Eduardo tinha uma rixa -não se sabe bem o motivo- com um dos traficantes do morro, que é do Terceiro Comando.
Os corpos de Eduardo e de seu amigo foram queimados com pneus. Chamada de microondas, essa prática é comum nas favelas cariocas. As pessoas morrem sem motivo e as famílias não têm sequer o direito de enterrar o corpo.
Cinco dias depois, do outro lado do mundo, o também carioca Marco Archer Moreira, 42, foi condenado à morte por ter entrado com 13 quilos de cocaína na Indonésia.
O Brasil chegou a um tal ponto de degradação que uma comparação entre os dois casos deixa a Indonésia em melhor patamar. Não por ter instituído a pena de morte, uma forma arcaica de punição que já deveria ter sido abolida em todo o mundo. Mas pelo fato de que lá, pelo menos, essa condenação seguiu regras formais.
Ao entrar no país com drogas, Archer tinha conhecimento de que poderia ser pego. Preso, teve direito a um defensor público. Condenado, tem direito a recorrer pelo menos duas vezes. Ratificada a pena, pode ainda pleitear perdão presidencial.
Aqui as pessoas se vangloriam de morar num país onde não há pena de morte. Pena de morte há sim. O que não há é Estado real. Por isso um Estado paralelo decide quem deve morrer e quem deve viver. Sem direito a recurso. Sem direito a perdão. Eduardo morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Esse foi o seu crime. Simples assim.


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