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GABRIELA WOLTHERS
As duas penas de morte
RIO DE JANEIRO - Eduardo, 32, era motorista. Morava na Tijuca, na zona norte do Rio. Na quinta-feira da semana passada, estava tomando
uma cerveja com amigos, alguns moradores do morro dos Macacos. Um
desses amigos pediu carona para encontrar a namorada na favela. Mal
chegaram, encontraram um grupo
de traficantes que, sem dizerem uma
palavra, começaram a atirar.
Eduardo ainda tentou fugir, mas
foi atingido nas costas por um tiro de
fuzil. Os dois morreram. Os corpos
não foram até hoje encontrados. Nos
sussurros da favela, a história que
contam é que o amigo de Eduardo tinha uma rixa -não se sabe bem o
motivo- com um dos traficantes do
morro, que é do Terceiro Comando.
Os corpos de Eduardo e de seu amigo foram queimados com pneus.
Chamada de microondas, essa prática é comum nas favelas cariocas. As
pessoas morrem sem motivo e as famílias não têm sequer o direito de enterrar o corpo.
Cinco dias depois, do outro lado do
mundo, o também carioca Marco Archer Moreira, 42, foi condenado à
morte por ter entrado com 13 quilos
de cocaína na Indonésia.
O Brasil chegou a um tal ponto de
degradação que uma comparação
entre os dois casos deixa a Indonésia
em melhor patamar. Não por ter instituído a pena de morte, uma forma
arcaica de punição que já deveria ter
sido abolida em todo o mundo. Mas
pelo fato de que lá, pelo menos, essa
condenação seguiu regras formais.
Ao entrar no país com drogas, Archer tinha conhecimento de que poderia ser pego. Preso, teve direito a
um defensor público. Condenado,
tem direito a recorrer pelo menos
duas vezes. Ratificada a pena, pode
ainda pleitear perdão presidencial.
Aqui as pessoas se vangloriam de
morar num país onde não há pena de
morte. Pena de morte há sim. O que
não há é Estado real. Por isso um Estado paralelo decide quem deve morrer e quem deve viver. Sem direito a
recurso. Sem direito a perdão. Eduardo morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Esse foi o seu
crime. Simples assim.
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