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ANTONIO DELFIM NETTO
A Nairu no Brasil
POUCOS ECONOMISTAS podem ser considerados realmente "grandes". Um deles
foi Alfred Marshall (1842-1924),
cujo livro "Principles of Economics" (1890) dominou o pensamento econômico durante quase
meio século. A fecundidade da contribuição marshalliana pode ser
melhor apreciada quando lembramos que suas observações sobre a
estrutura das indústrias estão na
base da revolucionária geografia
econômica moderna.
É de Marshall a afirmação "que
em assuntos econômicos qualquer
explicação curta ou é equivocada,
ou falaciosa ou um truísmo". Ela se
aplica como uma luva a muitas
criações econômicas de aparência
simples que, à custa de serem repetidas sem uma crítica mais cuidadosa, acabaram sendo incorporadas no corpo da economia. Em alguns casos, apesar da absoluta imprecisão e fluidez conceitual, são
submetidas à continuada tortura
econométrica na esperança que algum dia confessarão a sua existência. Dois desses conceitos dominam a imaginação "científica" de
uma certa classe de economistas.
De um lado, o famoso "produto potencial", que por hipótese pode ser
empiricamente estimado com segurança e que limitaria o crescimento não-inflacionário. De outro,
a ressurreita Nairu, uma suposta
taxa de desemprego abaixo da qual
acendem-se as pressões inflacionárias e que, também, poderia ser
empiricamente determinada com
segurança.
O primeiro caso é mais grave. Revela um complicado autismo profissional para socorrer-se de um
brinquedo conveniente que só
existe na imaginação dos atores. O
produto potencial pressupõe uma
função de produção macroeconômica cuja existência não pode ser
provada. A sua aparente "revelação" empírica é resultado da manipulação de uma identidade, como
mostraram Herbert Simon e Ferdinand Levy há meio século! O caso
da Nairu é de outra natureza. Suas
estimativas são sempre acompanhadas de imensa variança e, portanto, também inservíveis para a
orientação da política monetária.
Recentemente fomos surpreendidos com a revelação que a Nairu
no Brasil estaria entre 7,4% e 8,8%
devido ao que seria um pequeno intervalo de confiança. Lendo o trabalho do economista do Banco
Central, sr. Tito Nícias Teixeira da
Silva Filho, vemos que não se trata
disso, mas sim do intervalo entre
estimativas pontuais obtidas através de diferentes modelos. O problema é que cada uma delas, no seu
modelo, tem grandes intervalos de
confiança. Portanto são também
inservíveis para a política monetária como, aliás, reconhece corretamente o seu autor e Greenspan
provou, em 1990, contrariando o
"staff" do Fed.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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