São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

A Nairu no Brasil

POUCOS ECONOMISTAS podem ser considerados realmente "grandes". Um deles foi Alfred Marshall (1842-1924), cujo livro "Principles of Economics" (1890) dominou o pensamento econômico durante quase meio século. A fecundidade da contribuição marshalliana pode ser melhor apreciada quando lembramos que suas observações sobre a estrutura das indústrias estão na base da revolucionária geografia econômica moderna.
É de Marshall a afirmação "que em assuntos econômicos qualquer explicação curta ou é equivocada, ou falaciosa ou um truísmo". Ela se aplica como uma luva a muitas criações econômicas de aparência simples que, à custa de serem repetidas sem uma crítica mais cuidadosa, acabaram sendo incorporadas no corpo da economia. Em alguns casos, apesar da absoluta imprecisão e fluidez conceitual, são submetidas à continuada tortura econométrica na esperança que algum dia confessarão a sua existência. Dois desses conceitos dominam a imaginação "científica" de uma certa classe de economistas.
De um lado, o famoso "produto potencial", que por hipótese pode ser empiricamente estimado com segurança e que limitaria o crescimento não-inflacionário. De outro, a ressurreita Nairu, uma suposta taxa de desemprego abaixo da qual acendem-se as pressões inflacionárias e que, também, poderia ser empiricamente determinada com segurança.
O primeiro caso é mais grave. Revela um complicado autismo profissional para socorrer-se de um brinquedo conveniente que só existe na imaginação dos atores. O produto potencial pressupõe uma função de produção macroeconômica cuja existência não pode ser provada. A sua aparente "revelação" empírica é resultado da manipulação de uma identidade, como mostraram Herbert Simon e Ferdinand Levy há meio século! O caso da Nairu é de outra natureza. Suas estimativas são sempre acompanhadas de imensa variança e, portanto, também inservíveis para a orientação da política monetária. Recentemente fomos surpreendidos com a revelação que a Nairu no Brasil estaria entre 7,4% e 8,8% devido ao que seria um pequeno intervalo de confiança. Lendo o trabalho do economista do Banco Central, sr. Tito Nícias Teixeira da Silva Filho, vemos que não se trata disso, mas sim do intervalo entre estimativas pontuais obtidas através de diferentes modelos. O problema é que cada uma delas, no seu modelo, tem grandes intervalos de confiança. Portanto são também inservíveis para a política monetária como, aliás, reconhece corretamente o seu autor e Greenspan provou, em 1990, contrariando o "staff" do Fed.


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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