São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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SALDO ESTRUTURAL

Autoridades da área econômica têm afirmado que o forte crescimento das exportações constitui uma novidade estrutural na economia brasileira da qual muitos ainda não se deram conta. De acordo com essa visão, o país revela capacidade de crescer sem deixar de obter saldos comerciais expressivos -o que ajuda a conferir mais estabilidade à cotação do dólar e à inflação e melhores condições para reduzir os juros. Ao lado das chamadas reformas "microeconômicas" propostas pelo governo, isso configuraria um ambiente mais propício ao investimento e ao crescimento sustentado.
Há muito esta Folha vem insistindo que obter superávits mais volumosos no comércio exterior constitui um requisito para a superação do quadro de extrema vulnerabilidade das contas externas que tanto prejudicou a economia nos últimos anos.
A história econômica do país, no entanto, fornece exemplos eloqüentes da necessidade de guardar cautela em relação ao caráter supostamente "estrutural" do superávit comercial. A discussão que ora se esboça -e tem de ser aprofundada por sua importância para as perspectivas do país- remete a um debate desenvolvido em meados dos anos 80.
Naquela época (que guarda significativas analogias com a atual), o Brasil emergia de um doloroso processo de "ajuste" depois de um ciclo de forte endividamento externo. Após três anos de recessão, reforçada por forte achatamento salarial, e de uma desvalorização cambial sensível, a partir de meados de 1984 a economia voltava a crescer e obtinha superávits comerciais recordes.
As autoridades do governo Figueiredo reivindicavam a paternidade desse feito, que seria prenúncio de uma retomada duradoura da economia. Já analistas da oposição ao regime militar argumentavam que o superávit era "filho", basicamente, da contração do mercado interno e da desvalorização do câmbio e, por isso, tenderia a ser corroído à medida que o mercado interno se reerguesse.
Alguns, no entanto, julgavam que o superávit teria caráter duradouro por refletir mudanças na estrutura produtiva propiciadas pelo ciclo de investimentos estimulado pelo governo Geisel e seu Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento.
Embora tais mudanças fossem inequívocas (vários elos da cadeia industrial foram internalizados, substituindo importações e diversificando as exportações), nos anos seguintes a economia não se revelou capaz de compatibilizar crescimento e saldos comerciais altos. Em particular nos momentos em que o mercado interno cresceu rapidamente -como em 1986, sob o Plano Cruzado, e no início do Plano Real-, o saldo comercial foi subitamente corroído.
Um dos fatores que mais contribuíram para isso foi o fato de que -em meio a uma aceleração global das inovações e do progresso técnico- a pauta de exportações do país se manteve baseada em bens de menor grau de elaboração, que contam com demanda externa menos dinâmica.
Esse quadro pouco mudou nos últimos anos -até porque os investimentos se mantiveram baixos, assim como a capacidade da economia de gerar e difundir inovações tecnológicas. Logo, saudar o crescimento recente das exportações brasileiras não nos deve impedir de perceber que, do ponto de vista qualitativo, elas continuam frágeis. Por isso mesmo, olhando para o médio e longo prazo, cabe manter reservas quanto à sustentabilidade do saldo comercial.
Ainda é necessário definir e implementar políticas capazes de efetivamente compatibilizar, ao longo do tempo, um crescimento vigoroso e sustentado do mercado interno com a preservação de uma posição saudável nas contas externas.



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