São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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BALÃO ULTRALIBERAL

O Ministério da Fazenda fez circular, como balão-de-ensaio, uma proposta de reforma constitucional para eliminar as vinculações de verbas que "engessam" o Orçamento. Os principais dispositivos atingidos seriam os que reservam um mínimo de 18% da receita tributária da União e 25% dos Estados e municípios para a educação e que asseguram à saúde recursos federais no mínimo iguais aos aplicados em 1995, corrigidos anualmente pela variação do PIB.
Não há novidade nos fundamentos da idéia de desvinculação. Seus defensores explicam que os princípios modernos da administração fiscal rejeitam as vinculações de recursos. O argumento central é que a aceleração do crescimento econômico proporcionada por um novo ciclo de investimentos geraria recursos maiores para a educação e a saúde.
Mas a proposta não resiste à crítica. As desigualdades extremas do Brasil, expressas nos padrões de distribuição de renda e nos níveis de exclusão social, solicitam respostas políticas peculiares. A vinculação impede que a classe política desvie recursos de áreas fundamentais para atender a interesses muitas vezes duvidosos.
O argumento do Ministério da Fazenda é uma dupla falácia. De um lado, porque atribuir às "verbas carimbadas" a carência de investimentos é esconder o engessamento de recursos embutido no superávit primário e no pagamento de juros, além de evitar a discussão sobre gastos supérfluos. De outro, porque o crescimento econômico, por si só, não assegura redução das desigualdades.
O Brasil criou um programa de combate à Aids que se tornou um exemplo internacional. A taxa de mortalidade infantil retrocedeu de 47 por mil em 1990 para cerca de 35 por mil em 2001. A taxa de alfabetização de pessoas de 5 anos ou mais foi de 77% para 86%. A taxa de escolarização da faixa etária de 10 a 14 anos, de 84,2% para 96,5%. É significativo, embora reste muito por fazer.
A proposta de desvinculação orçamentária parece ignorar essas conquistas, talvez por ter sido formulada sob influência de conceitos ultraliberais, que predominam em setores do Ministério da Fazenda. Segundo essa concepção, o corte de despesas públicas deve ser feito com a flexibilização dos direitos universais (como o acesso à saúde) e contrabalançado por políticas compensatórias assistencialistas focalizadas em setores específicos -como as cotas para negros e as "farmácias populares". Na Inglaterra da Revolução Industrial, antes das leis sociais, existia o "sopão dos pobres" -algo que se assemelha à concepção de alguns ideólogos da Fazenda.


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