São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Oportunidade perdida

JOSÉ EDUARDO CARDOZO


Há os que querem, com um senso de oportunismo, aproveitar a situação para buscar dividendos políticos e eleitorais
Investigar com seriedade o desvio de dinheiro público e punir corruptos é um dever dos homens de bem. Combater as causas da corrupção, uma necessidade. Na história recente do Brasil, muitas chances de enfrentar essa doença foram desperdiçadas. Infelizmente, são freqüentes por aqui as crises políticas propiciadas por denúncias de improbidade. E, nesses momentos, no mundo político, as reações nunca são as mesmas.
Há os que, por princípio, cumprem fielmente o seu dever de defender a depuração séria e transparente dos fatos, propondo punição rigorosa aos corruptos, e alguns até lutam de peito aberto por mudanças estruturais destinadas a atacar o mal pela raiz. Também há os que fogem ou se omitem por culpa, conivência ou falta de coragem.
Mas há ainda os que querem, a partir de um agudo senso de oportunismo, aproveitar a situação para buscar dividendos políticos e eleitorais. Na verdade, com suas ações, não miram os corruptos ou a defesa do erário. Querem apenas desfrutar da condição de heróis sem correr o risco natural de participar de qualquer ato de heroísmo.
São conhecidas suas técnicas. Em tom demagógico, proferem discursos maniqueístas, eloqüentes, com palavras fortes e de pouco conteúdo. Muitos adjetivos raivosos e poucos argumentos. Raciocinam por meio de generalizações simplistas, em que a racionalidade, o bom senso, a memória e a verdade são eliminados pela retórica vazia. Valem-se de citações históricas para não ter de citar sua própria história.
Um triste exemplo dessa última atitude, lamentavelmente, foi apresentado pelo ilustre senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, em artigo publicado nesta Folha, no dia 27 de junho, sob o título de "Além de Corruptos, Golpistas".
O que seria legítimo esperar de um senador da República que preside um dos maiores partidos do país? No mínimo, uma análise crítica, racional e madura das denúncias que envolvem o deputado Roberto Jefferson ou o tal do "mensalão" por ele denunciado. Mas, infelizmente, ele preferiu não abdicar do tom oposicionista recentemente adquirido após décadas de exercício de poder.
Seria razoável pretender que o nobre parlamentar, a partir das experiências vivenciadas durante o período em que foi ministro e articulador político do ex-presidente Fernando Collor de Mello, apresentasse um diagnóstico seguro e a indicação de remédios eficazes para o enfrentamento dos atos de improbidade. Afinal, com certeza, material para essa reflexão não lhe faltou durante o sombrio período em que esteve servindo ao defenestrado presidente.
Mas, para nossa decepção, nada disso encontramos no artigo do senador. Nele, em vez de palavras voltadas à reflexão, foram lançadas expressões injuriosas, em que o presidente da República, o seu governo, o PT e os petistas, sem exceção, foram chamados de "corruptos", "golpistas", autores de "falcatruas e chantagens" e responsáveis por "formação de quadrilha".
A análise foi tão rasa que parece sugerir, unicamente, em todo seu texto, que a corrupção no país nasceu com a chegada do PT ao poder e que apenas cessará quando esse partido dele for retirado. Ingenuidade ou oportunismo?
Como ponto positivo, reconheço, ficou apenas a reciclagem de seu passado como fundador do partido que deu sustentação ao regime militar (Arena), quando reconheceu, finalmente, que a democracia não é "tola", nem "caolha". Mesmo tardia, também merece aplausos o florescer de tal ira verbal contra a corrupção.
Contudo, o nobre senador perdeu, com seu texto, a oportunidade de defender em público que os corruptos de ontem, de hoje e do futuro, estejam no poder ou na oposição, sejam de direita ou de esquerda, devam ser combatidos em qualquer das trincheiras em que venham a se encolher.
Perdeu a oportunidade de dizer que, enquanto não modificarmos o sistema político brasileiro e instituirmos o financiamento público de campanhas eleitorais, a sinistra figura do "homem da mala preta" continuará rondando os tortuosos corredores do poder.
Perdeu a oportunidade de reconhecer que um verdadeiro governo democrático não nomeia "engavetadores" para comandar o Ministério Público e dá condições para sua Polícia Federal investigar com liberdade seus próprios membros e os poderosos, como, aliás tem feito o governo Lula, em caminho inverso ao que fizeram governistas passados, sempre tão aplaudidos pelo senador catarinense.
Perdeu ainda a oportunidade de reconhecer, com a isenção que só os estadistas possuem, que o PT e os petistas tiveram e têm um papel importante na construção da democracia brasileira e na afirmação da ética como uma premissa indispensável para o exercício saudável da política.
Perdeu, enfim, a oportunidade de travar um debate elevado, na estatura que os petistas, o PT, o presidente da República e o povo brasileiro esperavam de um senador da República.
José Eduardo Cardozo, 46, advogado e professor de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), é deputado federal pelo PT-SP.

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