São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2008

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Editoriais

Riscos de um sucesso

O merecido apoio popular à eficiência demonstrada pela PF aumenta, no entanto, o perigo de abuso de poder

ESPETACULAR? Ninguém negaria, certamente, este adjetivo à Operação Satiagraha, da qual resultou a prisão de figuras como Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta.
Num país ainda marcado pela sensação de impunidade nos chamados crimes do "colarinho branco", a ação da Polícia Federal não haveria de surgir como acontecimento rotineiro aos olhos da opinião pública.
Mal surgiam, entretanto, as primeiras notícias acerca da operação, muito do que nela havia, a justo título, de "espetacular" passou a ser alvo de críticas por parte de autoridades judiciárias e legislativas.
Não é de agora, com efeito, que se denuncia a "espetacularização" das atividades da PF, e a Operação Satiagraha merece ser avaliada sob esse aspecto.
Nada justificaria, por exemplo, o uso de algemas na detenção dos acusados, que se entregaram sem resistência. É difícil encontrar motivo para manter presas pessoas que não representam ameaça física à sociedade. Cabe também questionar a presença de repórteres de uma emissora de TV no momento do flagrante, numa aparente concessão de exclusividade jornalística.
Por outro lado, não se registraram abusos explícitos contra a imagem privada dos acusados. Nada que se comparasse, por exemplo, à execração geral que acompanhou o casal Nardoni, quando conduzido à polícia após o assassinato da menina Isabela.
Não há como deixar de ver exagero, portanto, no coro de protestos entoado no Senado em torno da "espetacularização".
Sabendo-se da amplitude das ligações do banqueiro Daniel Dantas com o mundo parlamentar, tais críticas -ainda que teoricamente justas- perdem bastante em credibilidade. Contra acusados tão poderosos é até natural supor que a Polícia Federal aposte no impacto midiático positivo de suas operações para contrapor, às pressões de bastidores, o respaldo público que granjeia.
Não resta dúvida, entretanto, de que o risco de abusos se agrava cada vez que uma instituição está segura do sucesso que alcançará na opinião pública. O Judiciário obtém aplausos quando restringe práticas políticas abominadas pelo eleitorado, como a infidelidade partidária; ofuscam-se com isso, entretanto, os riscos de ingerência indevida da instituição sobre o Legislativo.
O ímpeto das autoridades policiais contra acusados na Operação Satiagraha atinge indevidamente profissionais da imprensa, tanto desta Folha como da TV Globo, aos quais se acusa de vazamento de informações. É da autoridade pública, no entanto, o dever de manter segredo sobre inquéritos; o dever da imprensa é informar.
Tanto quanto as garantias constitucionais que protegem os acusados, também o direito dos cidadãos a informação de óbvio interesse público não pode ser vitimado em nome de um rigor policial que, merecendo aplauso, exige também máxima cautela para não degenerar, pelo próprio apoio que aufere, em poder discricionário e sem controle.


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