São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Mudanças que nada alteram
MARCO ANTONIO VILLA
O governo Lula mantém essa sina: a mudança anunciada transformou-se em conservação do que havia de mais arcaico, tanto na elaboração de políticas públicas, como no uso da máquina do Estado, nas alianças no Congresso Nacional com os régulos provinciais -como diria Joaquim Nabuco- e até no discurso dos seus ministros. A bem da verdade, deve ser reconhecido que houve uma mudança: nunca na história republicana um presidente discursou tanto, inebriado pelo silêncio compassivo e o aplauso formal das platéias. Falou sobre tudo, da auto-estima dos brasileiros, passando pela falta de heróis nacionais, chegando até a dar lições de geografia (nem sempre corretas) aos norte-americanos sobre os países vizinhos do Brasil. Pena que, após os discursos, a realidade acabe se impondo: os ministros continuam inoperantes -inclusive os nomeados neste ano-, os programas sociais não saem do papel, o desemprego continua alto e assistimos (e vivemos), nas grandes cidades, uma verdadeira guerra civil. Enquanto isso, o presidente foi visitar o Gabão. A sucessão de denúncias de uso da máquina pública é preocupante. Ora é a Embrapa, ora o Banco do Brasil, ora a máfia do bingo, ora... Parece que foi abandonado o princípio republicano de gerir os recursos públicos com isenção, apartidarismo e probidade. Considera-se absolutamente natural que empresários financiem a reforma do Palácio da Alvorada, assim como não causa constrangimento a presença, na comitiva oficial que visitou a Ásia, do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, um dos homens fortes da República. Seguindo a mesma falta de princípios, Lula passou uma tarde inteira com o animador de televisão Ratinho -que, como deputado federal, fez parte da base política do governo Collor-, comendo churrasco, ao som de uma dupla sertaneja, recordando nessa atitude, infelizmente, os concertos domingueiros que eram realizados na Casa da Dinda. Entretanto, quando visitou recentemente Campinas, recusou-se a encontrar a viúva do prefeito Toninho. A cruel adaptação ao meio político, esse darwinismo brasileiro, atingiu em cheio o PT. Criado para ser uma espécie de porta-voz dos movimentos sociais surgidos durante o regime militar, tinha um severo código de conduta para os candidatos e seus militantes. Recordem-se as enormes dificuldades financeiras das campanhas, que eram financiadas com rifas e pequenas doações. Vinte anos depois, tudo mudou, ou melhor, o PT adequou-se à velha política. O caso de São Paulo é um bom exemplo. Para reeleger Marta Suplicy, o PT alugou 500 peruas Kombi, encheu a cidade de outdoors com a candidata rejuvenescida (tal qual sempre fizeram os candidatos conservadores nos seus cartazes), montou um sistema de arrecadação de fundos que permitirá realizar a campanha mais cara da história da cidade e contratou centenas de cabos eleitorais, chamados pelo partido de animadores de campanha. No dia 29 de julho, na Vila Maria, como informou esta Folha, vimos a primeira atuação desses "animadores". Aos gritos de "tá tudo dominado", criaram constrangimentos a um dos candidatos opositores, José Serra. Pelo visto, até as antigas palavras de ordem foram definitivamente arquivadas. A gestão da prefeita foi cinzenta e conservadora, comparativamente à primeira administração petista, a de Luiza Erundina, que teve de conviver com conjunturas nacional e internacional extremamente desfavoráveis. Marta obteve confortável maioria na Câmara dos Vereadores -utilizando-se das barganhas, tão comuns naquela Casa, entregou aos vereadores aliados as subprefeituras, nomeou centenas de assessores, realizou obras desnecessárias (como o túnel da Faria Lima), mas bem ao gosto do eleitorado malufista, e abandonou áreas de interesse tradicional do partido, como educação, saúde e cultura. Tanto na Presidência da República como na Prefeitura de São Paulo, as alianças políticas foram justificadas: eram indispensáveis para obter a governabilidade. Porém, em vez de criarem condições para um governo de esquerda -esse conceito, aliás, desapareceu do linguajar oficial do petismo-, acabaram, por um lado, fortalecendo as tendências internas mais conservadoras, sedentas por abandonar o velho figurino, e, por outro, empurrando os governos para o campo da centro-direita, tanto na esfera econômica como na esfera social. Se o velho republicano estava desiludido com o novo regime, certamente milhares de petistas (e ex-petistas) estão decepcionados com os rumos do país e da maior cidade do Brasil. Marco Antonio Villa, 48, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)" (editora Globo). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: Longe dos olhos, longe da consciência Índice |
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