São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Longe dos olhos, longe da consciência
ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
Anteriormente, competente e sensível autoridade levou dezenas de menores para fora das fronteiras de nosso Estado. A operação expurgo foi também bastante noticiada. No Rio de Janeiro a providência teve caráter definitivo. As crianças foram mortas na Candelária. Em Belo Horizonte, também há algum tempo, uma operação militar foi montada para retirar das ruas cerca de 500 crianças. A imprensa exibiu fotos de crianças de até quatro anos, várias com chupetas na boca, sendo colocadas em camburões pelos amáveis e carinhosos soldados da milícia mineira, que souberam respeitar as crianças, deixando-as com suas chupetas. Riscar as crianças dos mapas urbanos já não está mais nos planos dos zelosos defensores das nossas urbes e da nossa incolumidade física. Viram ser essa uma missão inócua. Retiradas daqui ou dali, passam a habitar lá ou acolá. Saem da praça da Sé, vão para a praça Ramos ou para as praças da zona Leste, Oeste, Norte ou Sul. Saem de uma capital e vão para outra, de um extremo ao outro do país. Ironias à parte, cuidar dos menores para evitar o abandono, para suprir as suas carências e para protegê-los da violência que os atinge é obrigação humanitária de todos nós. E, para quem não tem a solidariedade como móvel de sua conduta, que aja ao menos impulsionado pelo egoísmo em nome da autopreservação. No entanto novamente se assiste ao retumbante coral repressivo, que entoa a surrada, falsa e enganosa solução da cadeia para os que já cometeram infrações e, para os demais, esperar que as cometam, para irem fazer companhia aos outros. A verdade é que sempre quisemos distância das nossas crianças carentes. Longe dos olhos, longe da consciência. A sociedade só se preocupa com os menores porque eles estão assaltando. Estivessem quietos, amargando inertes as suas carências, continuariam esquecidos e excluídos. Esse problema, reduzido à fórmula simplista de solução -diminuição da idade-, bem mostra como a questão criminal no país é tratada de forma leviana, demagógica e irresponsável. Colocam-se nas penitenciárias ou nas delegacias os maiores de 16 anos e ponto final. Tudo resolvido. A indagação pertinente é por que diminuir a responsabilidade penal só para 16 anos. Há crianças com dez ou oito anos assaltando? Vamos encarcerá-las. Melhor, nascituros também poderiam ser isolados. Dependendo das condições em que irão viver, poderão estar fadados a nos agredir futuramente. Não será melhor criá-los longe dos centros urbanos, isolá-los em rincões distantes para que não nos ponham em risco? Parece estar na hora -tardia, diga-se de passagem- de encararmos com honestidade e com olhos de ver a questão do crime no país, especialmente do menor infrator e do menor carente. Chega de demagogia e de hipocrisia. Vamos cuidar da criança e do adolescente. Aliás, não só do carente e do abandonado, mas também daqueles poucos bem nascidos, pois também estavam cometendo crimes. Destes esperamos que os pais acordem e imponham regras e limites, dêem menos liberdade, facilidades e dinheiro e mais educação, respeito pelo próximo e conhecimento da trágica realidade do país. Em relação aos outros, esperamos que a sociedade e o Estado, em vez de os porem na cadeia, eduquem-nos, dêem-lhes afeto e os ajudem a adquirir auto-estima, única maneira de os proteger do crime de abandono. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, 59, advogado criminal, é presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente da OAB-SP (1987-88 e 1989-90) e secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Quércia). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Marco Antonio Villa: Mudanças que nada alteram Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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