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CARLOS HEITOR CONY
A classe média ressentida
RIO DE JANEIRO - Pessoas mal informadas me perguntam se Lula teria
chances de ser reeleito. Quem sou eu,
que nada entendo de política, para
responder a pergunta que, ainda por
cima, não me comove nem interessa.
Mas vamos lá. Numa época de suposições, não custa supor uma coisa
supostamente incerta. Quem vai decidir se Lula se reelege ou não não será aquilo que ele chama de "elites",
muito menos o que ele chama de povo ou, mais exatamente, "meu povo".
Tanto as elites como o povo têm territórios assegurados, limites com demarcação precisa, valores específicos.
Eventualmente, por charme ou cálculo, um elemento da elite se faz de
povo e um elemento do povo tenta ser
elite, absorvendo ritos e mitos que
julga serem privilégios do patamar
social mais elevado.
São exceções. Prevalece a nitidez
dos interesses e reclamos de uma e de
outra ponta da sociedade. O diferencial que dará votos à possível reeleição de Lula é a classe média ressentida. Não exatamente a classe média
formal, aquela que se aceita como tal
e como tal cultiva igualmente valores
específicos, sejam lá quais forem.
A classe média ressentida é silenciosa, discreta, faz o jogo que se espera da classe média oficial. Não se expõe, guarda e aguarda sua hora para
uma espécie de vingança por tudo
aquilo que tem em doses mínimas e
por tudo aquilo que nunca terá, nem
mesmo votando naqueles em que
não chega a acreditar, mas acreditando lá dentro de si mesma que incomodará aqueles que têm o que ela,
a classe ressentida, não tem.
Perdoem a repetição de palavras.
Poderia dissimulá-las, assumindo
uma característica fundamental da
classe média ressentida: a dissimulação. E é na dissimulação que ela espera, sem se comprometer com o povo, que ela despreza, nem com a elite,
que no fundo admira, nem com a
própria classe média formal, da qual
faz parte contra a vontade e da qual
desconfia que nunca se libertará.
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