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DEMÉTRIO MAGNOLI
Uma nova
bipolaridade?
O primeiro-ministro Manmohan Singh foi feliz em Washington, há duas semanas. Seu anfitrião,
George Bush, recepcionou-o com um
banquete na Casa Branca e o raro direito a um discurso no Capitólio. Mas,
sobretudo, concedeu à Índia "os mesmos benefícios e vantagens" de que
usufruem as outras potências nucleares "oficiais", comprometendo-se
com uma "completa cooperação" no
campo do uso civil da energia nuclear.
As sanções impostas desde os testes
indianos de 1998 foram levantadas e,
para todos os efeitos práticos, o "clube
nuclear" passou a ser integrado por
seis potências.
O gesto de Bush não é uma surpresa,
pois os formuladores de política externa americanos anunciavam que o
"aprofundamento das relações com a
Índia" figurava no topo das prioridades do segundo mandato do presidente. Mas ele representa uma reviravolta
histórica, com repercussões regionais
e globais. No radar americano, a Índia
separa-se do Paquistão, que é um aliado indispensável na "guerra ao terror", porém continua ocupando o lugar incômodo de potência nuclear
"clandestina" e segue sujeito ao regime de sanções no campo da tecnologia nuclear. Acima de tudo, a nova
parceria estratégica indo-americana
cimenta os alicerces de uma política
asiática destinada a contrabalançar o
poderio chinês.
A corrente dos neoconservadores
americanos emergiu da obscuridade,
há três décadas, criticando a aproximação sino-americana conduzida por
Richard Nixon e Henry Kissinger. A
antiga "obsessão chinesa" parece mais
intensa do que nunca e desafia os argumentos realistas.
A China, em nome de seus próprios
interesses estratégicos, ajuda a preservar a frágil estabilidade geopolítica da
Ásia, contribuindo para a contenção
multilateral da Coréia do Norte, e em
nome de seu desenvolvimento econômico cumpre a função crucial de financiar o déficit dos EUA, usando
suas vastas reservas para comprar títulos do Tesouro americano. Mas os
"neocons" orientam-se por imperativos ideológicos e movem-se ao sabor
das projeções abstratas sobre a evolução do poderio bruto da potência asiática. Nos seus cenários, a China está
condenada a desempenhar um papel
comparável ao da União Soviética durante a Guerra Fria. Essa, como tantas
outras, é uma profecia auto-realizável.
A "obsessão chinesa" justifica a proposta americana de reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a
entrada de apenas dois novos membros permanentes: Japão e Índia. A
China, contudo, não admite a candidatura japonesa, sob o pretexto de que
Tóquio se recusa a reconhecer, ampla
e completamente, seus crimes de
guerra. Os EUA, por sua vez, não aceitam a proposta do G4, que altera em
profundidade o balanço de forças no
CS. A dupla rejeição propicia uma
aliança ocasional: Washington e Pequim anunciaram que trabalharão
juntos para congelar a reforma.
Raymond Aron caracterizou as superpotências da Guerra Fria como "irmãos-inimigos", rivais que compartilham o interesse na manutenção do
status quo. Na busca fanática por uma
cadeira no CS, o Itamaraty cortejou
Pequim durante os últimos dois anos,
até o ponto intolerável de elogiar o
comportamento chinês no tema dos
direitos humanos. Voluntarismo? Desorientação? Não sei.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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