São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil à prova

JORGE WERTHEIN

O MINISTÉRIO da Educação divulgou recentemente os resultados da primeira edição da Prova Brasil, que avaliou o conhecimento em língua portuguesa e matemática de mais de 3,3 milhões de estudantes brasileiros. O exame, realizado em novembro de 2005, oferece informações detalhadas sobre o desempenho por escola na rede pública da educação básica. Os resultados da Prova Brasil chamam a atenção para aspectos relevantes. Confirmam, por exemplo, o conhecido contraste, no desempenho escolar, entre estudantes das regiões Norte e Nordeste e das regiões Sul e Sudeste, em termos gerais.


A educação não pode ser considerada apenas política setorial. Tem de fazer parte de uma clara estratégia de desenvolvimento


Segundo o Ministério da Educação, dos 3.360.378 estudantes que participaram da Prova Brasil, 841.537 são de municípios nordestinos. No geral, os alunos do Nordeste tiveram a menor média entre as cinco regiões do país em português e matemática, tanto da quarta série (158,7 e 166,4, respectivamente) quanto da oitava série (211,2 e 224,8, respectivamente). Tal quadro desperta a atenção para a necessidade de maior concentração de esforços pela melhora da escolarização básica nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo esta última. Pode ser recomendável uma política de discriminação positiva para essas regiões. Embora haja também discrepâncias intra-regionais, parece especialmente preocupante o fosso inter-regional. Os resultados de uma política educacional específica para essas regiões seriam evidentemente benéficos. Adote-se como referência o mais recente levantamento do IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Euclides da Cunha, no sertão da Bahia, foi a cidade brasileira de médio porte que mais progrediu em termos de desenvolvimento humano entre 1991 e 2000. Seu índice saltou de 0,453 para 0,596, crescimento de 31,6% em nove anos. O propulsor dessa evolução foi a educação.
O índice de analfabetismo na cidade foi reduzido de 56% para 37%, e a taxa bruta de freqüência à escola evoluiu de 38% para 83%.
Outras 24 cidades do Nordeste apresentaram avanço semelhante no mesmo período e ocupam os primeiros lugares no ranking de evolução do IDH-M entre os municípios de 50 mil a 500 mil habitantes. Seus índices evoluíram graças aos avanços educacionais de sua população. Imagine quão maior não seria o impacto direto de uma política prioritária para as regiões Norte e Nordeste e o impacto positivo que essas regiões teriam sobre o IDH de todo o país.
Outro aspecto que merece atenção ante os resultados da Prova Brasil diz respeito ao papel de Estados e municípios na formação escolar brasileira.
No país, há a tendência de responsabilizar exclusivamente o governo federal pelo quadro da educação. Embora Brasília tenha, de fato, responsabilidade pelos rumos da política educacional, nem todos se recordam de que são as administrações municipais as responsáveis pelo ensino fundamental, e as estaduais, pelo ensino médio. Prefeitos e governadores devem eleger a educação como prioridade em seus governos, fazer da educação uma bandeira e promover transformações de vulto no cenário educacional dos Estados e municípios. A educação brasileira precisa converter-se, de uma vez por todas, em política de Estado e deixar de depender apenas de políticas transitórias de um ou de outro governo. Precisa ter sustentabilidade. Para isso, o esforço tem de ser conjunto.
Isso significa envolver os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nos níveis federal, estadual e municipal, a sociedade (educadores, estudantes, famílias, associações, sindicatos etc.) e o empresariado (como deram prova os 250 empresários recentemente reunidos na Bahia, que concluíram ser a educação a mais importante política pública para o país).
A educação não pode ser considerada apenas política setorial. Tem de fazer parte de uma clara estratégia de desenvolvimento, como o fizeram, na história recente, países como Irlanda, Espanha e Coréia do Sul. A educação deve ser vista como alavanca para o desenvolvimento, como condição "sine qua non" para o crescimento socioeconômico, uma vez que ela é a base para a solução -ou, ao menos, a redução- de outros problemas sociais, como doenças e desemprego.
Uma visão da educação como fator de desenvolvimento favorece a defesa de maior investimento, financeiro e político, sobretudo na educação básica. Governo federal, Estados e municípios, com apoio da sociedade e do setor empresarial, podem, juntos, promover a revolução educacional de que o Brasil precisa e merece. É isso ou décadas e décadas de atraso.
JORGE WERTHEIN , 64, doutor em educação pela Universidade Stanford (EUA), é assessor especial do secretário-geral da OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura).


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