|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
O cerco e o circo
RIO DE JANEIRO - Num dos
maiores filmes de Billy Wilder, "A
Montanha dos Sete Abutres", de
1951, Kirk Douglas interpreta um
repórter no desvio que descobre
uma história capaz de fazê-lo voltar
à grande imprensa.
Um homem é vítima de soterramento em uma mina no Novo México. Está vivo, mas precisa ser retirado depressa. Douglas começa a
mandar matéria para seu ex-editor
em Nova York e faz do caso um assunto nacional. Os outros jornais
correm atrás, os cinejornais, rádios
e TVs aderem e, de repente, arma-se em torno do soterrado um mafuá
com roda gigante, turistas, camelôs,
vendedores de souvenirs e bancas
de cachorro-quente.
Douglas, que tem acesso exclusivo ao homem por um buraco na mina, quer mantê-lo soterrado -e vivo- pelo maior tempo possível.
Mas calcula mal o timing e o homem morre: o circo vai embora.
Jornalistas, ambulantes, turistas e
oportunistas, some todo mundo.
Algo do gênero aconteceu no caso
da inglesa Madeleine, de 4 anos, desaparecida num balneário de Portugal em maio último. Os repórteres, fotógrafos e câmeras britânicos
chegaram logo no segundo dia, às
centenas, e acamparam em frente à
casa dos pais da menina, num cerco
full-time. Por acaso, eu estava em
Lisboa e acompanhei.
Foi um massacre. As TVs inglesas
davam a história dia e noite. Até o
papa entrou na roda. Uma repórter
parecia a porta-voz oficial do casal,
que, aliás, só falava com a imprensa
britânica. Mas não havia notícias. O
circo durou duas semanas, até Londres decidir que o caso esfriara e
chamar seu pessoal de volta. Em
minutos, a mídia inglesa evaporou-se da cena e ficou apenas a esnobada imprensa portuguesa.
Agora, graças a esta, surgiu uma
notícia: Madeleine estaria morta
desde o início. Voltam os ingleses e
recomeçam o cerco e o circo.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O "Estado-nhonhô" Próximo Texto: Fernando Gabeira: Dia e hora Índice
|