São Paulo, terça-feira, 11 de agosto de 2009

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MARCOS NOBRE

Dedos, anéis e Marina

EM MEIO À bandalheira da década de 1980, foi escolhido um presidente por eleição direta, o que não acontecia havia quase 30 anos. O afastamento de Collor em 1992 instaurou uma expectativa de controle direto do sistema político, em que o eleitorado poderia tirar mandatos a qualquer momento.
A partir da eleição de FHC, o impeachment desapareceu pouco a pouco do horizonte. Com o tempo, a expectativa de controle direto foi substituída por uma espécie de controle da "opinião pública", entendido como uma pressão incessante da mídia sobre uma determinada figura política. Mesmo o Judiciário, o Ministério Público e as polícias se tornaram forças auxiliares desse novo controle indireto, em que se exigia pelo menos a entrega de anéis para a conservação dos dedos.
Muitos ministros caíram assim.
Mas esse tipo de controle mostrou mesmo seu poderio ao atingir o Senado. A cassação de Luiz Estevão foi o marco inicial, em junho de 2000. Em maio de 2001, renunciaram ACM e José Roberto Arruda.
No mesmo ano, o caso paradigmático de Jader Barbalho: licenciou-se da presidência do Senado, renunciou ao cargo e, em seguida, ao mandato.
Em 2005, foi a vez de a Câmara mostrar que uma mudança importante estava em curso. Não pelas cassações de Roberto Jefferson e de José Dirceu, mas pela quantidade de parlamentares que renunciaram ou foram absolvidos no rastro do "mensalão". O episódio Renan Calheiros, em 2007, marcou uma nova etapa: renunciou à presidência do Senado, mas não ao mandato. Nova mudança no atual episódio Sarney: tudo indica que não vai renunciar a coisa nenhuma.
Não que controlar o sistema político por meio de uma mídia oligopolizada seja algo a comemorar.
Mas o episódio Sarney mostra que até mesmo esse controle precário e indireto pela mídia está desaparecendo das mãos do eleitorado.
Pode até haver quem ache saudável essa redução do controle do sistema político pelo eleitorado ao momento das eleições. Mas democracia nenhuma se faz apenas com eleições. As próprias movimentações do eleitorado para 2010 dão prova disso. Quanto mais o sistema político procura se fechar em si mesmo, mais rachaduras aparecem.
Lula tenta reduzir o campo eleitoral a um plebiscito sobre seu governo, a uma disputa entre sua candidata e o candidato do PSDB. Aparece Ciro Gomes. Lula articula de todas as maneiras para neutralizá-lo. Sem sucesso até agora. Aparece Marina Silva. Difícil imaginar o que Lula poderia fazer. O sistema político enclausurado que se cuide. O que está em jogo não são mais dedos e anéis.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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