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RUY CASTRO
Cacarejos a 10 mil pés
RIO DE JANEIRO - O pior aconteceu. Leio que a TAM vai permitir o
uso do celular durante os voos domésticos. Isso significa que, em vez
de aproveitar o voo para cochilar e
recuperar o sono atrasado ou pôr
em dia minha leitura dos clássicos
brasileiros ou da revista de bordo,
terei de aturar os problemas pessoais do passageiro ao meu lado.
E, mesmo que não tivesse nada a
fazer e me limitasse a olhar para o
teto do avião, por que devo ser obrigado a ouvir que o filhinho do passageiro está com diarreia e que ele
recomenda à esposa que use a pomada tal contra assaduras? Ou que
considera seu sócio uma besta e está dedicando metade do voo a espinafrá-lo porque o fulano não comprou o lote de bombinhas contra asma que o fabricante ofereceu com
desconto? Ou que, definitivamente, ele não quer almoçar com a sogra neste domingo?
O celular está fazendo com que
todo mundo saiba da vida de todo
mundo. As pessoas não se tocam de
que a exposição não solicitada de
sua intimidade pode ser uma agressão aos ouvidos dos outros.
Outro dia, num trem de Sevilha a
Córdoba, na Espanha, o sistema de
som pediu que as pessoas abaixassem o volume ou emudecessem
seus celulares, "em consideração
aos outros passageiros". Ou seja,
queria evitar que o simples toque
do telefone perturbasse o sossego
geral. Aqui, uma empresa de aviação, não contente em infernizar a
vida dos usuários com comerciais
de televisão durante o voo, institucionaliza a cacofonia de celulares
tocando a 10 mil pés de altura.
Como sei que sou voto vencido e
que a maioria dos passageiros aprovará a liberação do celular nos voos
-as pessoas não conseguem parar
de cacarejar umas com as outras,
não sei de onde tiram tanto assunto-, só me resta seguir a sugestão
de uma amiga: comprar um iPod,
cravá-lo nos tímpanos e fazer de
conta que o mundo exterior não
existe.
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