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MARCOS NOBRE
O inimigo
POR ABSURDO que possa parecer, não faltou quem tenha
comemorado a destruição das
torres gêmeas de Nova York há seis
anos como uma vingança contra o
império norte-americano. Esse tipo de reação forneceu o combustível ideal para toda sorte de retrocesso institucional: aumento dos
mecanismos de controle social, expansão dos serviços secretos de vigilância e repressão, restrição de
direitos fundamentais, guerra.
O 11 de Setembro inaugurou um
período de incerteza para a democracia. O neoconservadorismo da
era Bush cultivou a sensação de
medo e de insegurança e transformou todos os temas do debate público em duelos maniqueístas entre o bem e o mal. Logo após o ataque, qualquer manifestação que
não aceitasse esses termos simplificados era imediatamente reprimida como a manifestação de um
inimigo.
O desastre da Guerra do Iraque e
a truculência dos principais auxiliares de Bush arrefeceu esse movimento de ataque à inteligência e ao
debate ponderado. Mas não dá sinais de que vá servir também para
frear a tendência a sacrificar direitos em favor de segurança em todas
as partes.
Não é mesmo fácil lidar com o
medo e a insegurança, que são bastante reais. Só que o conservadorismo mobiliza esses sentimentos
para bloquear a reflexão. Ao inculcar a idéia de que se trata de uma
"guerra" contra "o terror", divide o
mundo entre amigos e inimigos.
E faz isso principalmente dando
uma cara ao inimigo. Bush conseguiu convencer muita gente de que
a Al Qaeda é de fato uma organização tão ou mais poderosa que um
país inteiro e deu a ela a cara de Bin
Laden.
O próprio Bin Laden aceita muito bem o papel. Reapareceu de barba tingida e aparada para uma vez
mais confirmar que é o inimigo.
Cede de bom grado a "franquia" da
Al Qaeda para toda sorte de atentados e ataques.
Quebrar essa lógica perversa exige enfrentar o medo sem ceder a
ele. Significa a recusa de criar um
"outro" hostil, um inimigo que seria preciso eliminar. O perigo não
desaparece só porque está longe da
vista, em prisões secretas e ilegais.
Também não desaparece porque se
dá a ele uma cara.
O que é preciso tornar visível são
as causas do medo e da insegurança. Só assim é possível discuti-las
abertamente, recusando o caminho da lógica beligerante do amigo-inimigo.
Abrir mão de direitos em nome
da segurança é caminho seguro para abrir mão de mais direitos. Porque significa delegar a alguém ou a
alguma instituição o poder de definir quem é o inimigo. Quem delega
esse direito hoje pode se tornar o
inimigo de amanhã.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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