São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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JOSÉ SARNEY

A hora de harmonizar

O Brasil passa a viver um instante de profundas mudanças políticas. Em 1945, pela primeira vez em nossa história parlamentar, chegavam ao Congresso representantes declaradamente filiados à esquerda revolucionária, isto é, do Partido Comunista, filiado ao movimento marxista internacional. A estrutura política conservadora não conseguiu assimilar essa participação e, em dois anos, o PC era considerado contrário às instituições democráticas, seu registro era cassado e seus representantes eram banidos do parlamento.
Cinquenta anos depois, após os avanços e recuos da história, com todos os hiatos institucionais que tivemos, o Congresso Nacional terá seu maior partido oriundo das forças do trabalho, com a bandeira de correções e de mudanças no modelo tradicional sem o caráter revolucionário existente no passado.
O mundo mudou. Socialismo, hoje, não é mais uma separação ideológica, marcada por uma concepção teórica. Passou a ser um estado de consciência abrangente, característico das pessoas que têm sensibilidade para o fato social, para a justiça social, num olhar humano, e não numa concepção individualista da vida. Essa atitude aplicada à política constrói um socialista. Bobbio chegou mesmo a escrever, na linha dessa caracterização dos tipos ideológicos, que não sabia nem nunca soubera o que é um social-democrata.
A política real é hoje a massa de trabalho dos políticos. É essa política real que vai ser o desafio do próximo governo. Tratar, como diz Elio Gaspari, dos "elefantes voando."
A importância do Parlamento nesse processo é fundamental. Ele será o suporte da estabilidade. Ultimamente se criou no país o hábito de sempre julgar o Parlamento com uma visão cáustica, crítica, sempre pessimista. Na realidade, o Congresso é um corte da sociedade, nem mais nem menos. Com seus defeitos e virtudes, a maior delas a de ser a caixa de ressonância das reivindicações do povo, na qual se questionam o governo, as instituições, os modelos sociais, o próprio Parlamento e seus membros.
As decisões legislativas são abertas, tomadas sob o controle da opinião pública. As decisões do Executivo e do Judiciário são conhecidas depois de tomadas e não são sujeitas a interferências e a modificações durante o próprio processo de decidir, muitas vezes, monocrático. Isso leva a julgamentos interessados, porque, ao decidir, sempre se contraria alguém.
No novo modelo, que está chegando, precisamos de um Parlamento responsável e forte. Sem Parlamento forte, não há democracia. A mídia tem de compreender que o Congresso não é concorrente dela, mas participante, e complementa sua tarefa de expressar a opinião pública e de representar o que melhor se deseja para o país.
É hora de conciliar. E conciliar é o que a política tem de maior a fazer.
Devemos, assim, ter presente a sabedoria do provérbio nordestino: "Com grito não se afina rabeca".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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