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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma solução para a crise penitenciária
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA
São Paulo concentra quase a metade dos 419 mil
presos brasileiros, numa relação desproporcional
com o resto do país
CONFORME REVELADO por esta
Folha em reportagem do último dia 27 de setembro, há um
déficit de 42 mil vagas no sistema penitenciário paulista, número que representa uma superpopulação de
quase 50% acima da capacidade total.
Tal situação traz graves problemas,
quer de ordem humanitária em relação às pessoas encarceradas, quer para a segurança pública da população.
O trancamento de presos em locais
superlotados, semelhantes a masmorras medievais, não pode ser tolerado por uma sociedade que se pretende civilizada e regida pelo direito
e, ao fim e ao cabo, somente traz como
resultado afastar o preso da almejada
reintegração social e empurrá-lo para
os braços de organizações criminosas, aumentando a insegurança.
A questão, portanto, é saber como
enfrentar a situação, buscando nas
causas do problema as melhores respostas. A experiência recente tem demonstrado que a construção ininterrupta de presídios não é a chave do
problema, eis que consome preciosos
recursos públicos, necessários para a
melhoria de áreas sociais como saúde
e educação.
Veja-se que o Estado de São Paulo,
que já conta com 144 unidades penais,
planeja captar R$ 240 milhões em organismos internacionais de crédito
para a construção de outras tantas penitenciárias, sendo certo que, para zerar o déficit, seriam necessários 60
novos estabelecimentos: um absurdo!
E isso sem que se chegue a bom termo, pois, em breve, também essas cadeias estarão lotadas, apenas agravando a crise.
O fato é que o Estado de São Paulo
concentra quase a metade dos cerca
de 419 mil presos brasileiros, numa
relação desproporcional com o resto
do país. Enquanto no Brasil existem
227,63 presos por 100 mil habitantes,
em São Paulo essa relação salta para
341,98 por 100 mil habitantes, o que
coloca o Estado ao lado dos países que
mais prendem no mundo e muito acima da média sul-americana.
E não é verdade que em São Paulo
se praticam mais crimes que nos demais Estados, o que justificaria a desproporção de presos. Ao contrário
disso, das 11 regiões metropolitanas
mais violentas e que serão contempladas com recursos federais do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), São
Paulo é apenas a sexta pior em número de homicídios dolosos.
Enquanto no Estado de São Paulo,
em 2005, houve 18,9 homicídios por
100 mil habitantes, no Rio de Janeiro
a cifra foi de 40,5, e em Pernambuco,
de 48. No entanto, nesses dois últimos Estados o número relativo de
presos é bem menor que o paulista.
Então, o que justificaria a desproporcional quantidade de presos em
São Paulo? Uma resposta plausível
para a questão é a criação tardia da
Defensoria Pública em São Paulo e
sua insuficiente estruturação até o
momento. Isso porque esse é órgão
responsável, dentre outras coisas, pela defesa dos réus pobres na Justiça
criminal e pelos pedidos de melhorias
no cumprimento da pena (livramento
condicional, progressão de regime
etc.).
Ora, se não há número de defensores que atuam na área criminal suficientes para todo o Estado (hoje são
apenas 180), é razoável pensar que isso explique o porquê de haver tantas
pessoas que cometeram crimes de pequena gravidade (o furto de um xampu, por exemplo) mofando em nossas
cadeias quando poderiam estar
aguardando o julgamento em liberdade ou cumprindo penas alternativas,
que custam menos para os cofres
públicos.
Do ponto de vista econômico, a
contratação de novos defensores públicos é de longe mais vantajosa para
o Estado, pois, se a atividade mensal
de um defensor resultar na soltura de
apenas cinco presos, seu salário estará pago. É que um preso custa para o
Estado cerca de R$ 1.000/mês, menos
do que um quinto do salário de um
defensor.
E o reforço da Defensoria Pública
paulista, a exemplo do que já ocorre
no Rio de Janeiro, será motivo de apaziguamento do sistema penitenciário,
ao mesmo tempo em que significará a
garantia de maior justiça na aplicação
das penas, reservando-se a prisão
apenas para os crimes mais graves,
acabando com o mito de que no Brasil
o pobre vai para a cadeia porque não
tem uma defesa jurídica decente.
Definitivamente, o aumento significativo do número de defensores públicos e a estruturação do órgão nos
mesmos níveis da acusação contribuirão para uma solução duradoura e
consistente para a crise penitenciária,
permitindo ao governo economia de
recursos e a canalização destes para
as carentes áreas sociais.
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA , 46, mestre e doutor em
direito penal pela USP, é professor associado da Faculdade de Direito da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) de 1997 a 1998.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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