São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma solução para a crise penitenciária

SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA

São Paulo concentra quase a metade dos 419 mil presos brasileiros, numa relação desproporcional com o resto do país

CONFORME REVELADO por esta Folha em reportagem do último dia 27 de setembro, há um déficit de 42 mil vagas no sistema penitenciário paulista, número que representa uma superpopulação de quase 50% acima da capacidade total. Tal situação traz graves problemas, quer de ordem humanitária em relação às pessoas encarceradas, quer para a segurança pública da população.
O trancamento de presos em locais superlotados, semelhantes a masmorras medievais, não pode ser tolerado por uma sociedade que se pretende civilizada e regida pelo direito e, ao fim e ao cabo, somente traz como resultado afastar o preso da almejada reintegração social e empurrá-lo para os braços de organizações criminosas, aumentando a insegurança.
A questão, portanto, é saber como enfrentar a situação, buscando nas causas do problema as melhores respostas. A experiência recente tem demonstrado que a construção ininterrupta de presídios não é a chave do problema, eis que consome preciosos recursos públicos, necessários para a melhoria de áreas sociais como saúde e educação.
Veja-se que o Estado de São Paulo, que já conta com 144 unidades penais, planeja captar R$ 240 milhões em organismos internacionais de crédito para a construção de outras tantas penitenciárias, sendo certo que, para zerar o déficit, seriam necessários 60 novos estabelecimentos: um absurdo! E isso sem que se chegue a bom termo, pois, em breve, também essas cadeias estarão lotadas, apenas agravando a crise.
O fato é que o Estado de São Paulo concentra quase a metade dos cerca de 419 mil presos brasileiros, numa relação desproporcional com o resto do país. Enquanto no Brasil existem 227,63 presos por 100 mil habitantes, em São Paulo essa relação salta para 341,98 por 100 mil habitantes, o que coloca o Estado ao lado dos países que mais prendem no mundo e muito acima da média sul-americana.
E não é verdade que em São Paulo se praticam mais crimes que nos demais Estados, o que justificaria a desproporção de presos. Ao contrário disso, das 11 regiões metropolitanas mais violentas e que serão contempladas com recursos federais do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), São Paulo é apenas a sexta pior em número de homicídios dolosos.
Enquanto no Estado de São Paulo, em 2005, houve 18,9 homicídios por 100 mil habitantes, no Rio de Janeiro a cifra foi de 40,5, e em Pernambuco, de 48. No entanto, nesses dois últimos Estados o número relativo de presos é bem menor que o paulista.
Então, o que justificaria a desproporcional quantidade de presos em São Paulo? Uma resposta plausível para a questão é a criação tardia da Defensoria Pública em São Paulo e sua insuficiente estruturação até o momento. Isso porque esse é órgão responsável, dentre outras coisas, pela defesa dos réus pobres na Justiça criminal e pelos pedidos de melhorias no cumprimento da pena (livramento condicional, progressão de regime etc.).
Ora, se não há número de defensores que atuam na área criminal suficientes para todo o Estado (hoje são apenas 180), é razoável pensar que isso explique o porquê de haver tantas pessoas que cometeram crimes de pequena gravidade (o furto de um xampu, por exemplo) mofando em nossas cadeias quando poderiam estar aguardando o julgamento em liberdade ou cumprindo penas alternativas, que custam menos para os cofres públicos.
Do ponto de vista econômico, a contratação de novos defensores públicos é de longe mais vantajosa para o Estado, pois, se a atividade mensal de um defensor resultar na soltura de apenas cinco presos, seu salário estará pago. É que um preso custa para o Estado cerca de R$ 1.000/mês, menos do que um quinto do salário de um defensor.
E o reforço da Defensoria Pública paulista, a exemplo do que já ocorre no Rio de Janeiro, será motivo de apaziguamento do sistema penitenciário, ao mesmo tempo em que significará a garantia de maior justiça na aplicação das penas, reservando-se a prisão apenas para os crimes mais graves, acabando com o mito de que no Brasil o pobre vai para a cadeia porque não tem uma defesa jurídica decente.
Definitivamente, o aumento significativo do número de defensores públicos e a estruturação do órgão nos mesmos níveis da acusação contribuirão para uma solução duradoura e consistente para a crise penitenciária, permitindo ao governo economia de recursos e a canalização destes para as carentes áreas sociais.


SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA , 46, mestre e doutor em direito penal pela USP, é professor associado da Faculdade de Direito da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) de 1997 a 1998.

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