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Até que enfim!
RAUL CUTAIT
Escolas médicas sem a devida competência educacional representam grande perigo à saúde da sociedade brasileira
ATÉ QUE ENFIM uma boa notícia para o ensino médico: o ministro da Educação, Fernando
Haddad, acena com a possibilidade de
o MEC intervir em faculdades de medicina e até mesmo fechar escolas, à
semelhança de projeto que vem desenvolvendo com a OAB para faculdades de direito.
Tal fato merece algumas reflexões.
No Brasil, houve uma intensa proliferação de faculdades de medicina nas
ultimas décadas: de 70, em 1970, para
quase 170 em 2007. Somos hoje, em
número, o segundo país no mundo,
perdendo apenas para a Índia, com
220 escolas médicas.
Apesar de nossa população ter dobrado nesse período, não se justifica
jogar no mercado de trabalho mais 10
mil novos médicos por ano -não há
como absorver essa oferta. A abertura
de novas faculdades vem ocorrendo
não em razão da necessidade de profissionais ou para criar pólos de desenvolvimento médico em determinadas regiões do país, mas em decorrência de pressões políticas e interesses comerciais.
No atual cenário, existem faculdades que não cumprem o sagrado compromisso de dar uma boa formação
para seus alunos em decorrência da
falta de professores qualificados e/ou
de hospitais próprios ou conveniados
para o imprescindível treinamento
prático. Ora, escolas médicas sem a
devida competência educacional representam um grande perigo para a
saúde da sociedade brasileira, pois colocam no mercado profissionais com
preparo aquém do desejável.
O excesso de faculdades de medicina cria um outro problema, também
de extrema gravidade, que diz respeito à residência médica. Esta, que demanda de dois a cinco anos, é etapa essencial na formação do médico. No
presente, existem pouco mais de
6.000 vagas para residência médica (e
nem todas devidamente qualificadas). Logo, pelo menos um terço dos
médicos vão para o mercado sem a
devida complementação técnica.
A abertura indiscriminada de faculdades de medicina faz mal ao país.
Primeiro, é um desrespeito para com
os alunos oferecer-lhes ensino médico de nível sofrível. Segundo, os médicos mal preparados terão maiores chances de conduzir seus casos de
forma inadequada. Finalmente, o excesso de médicos e sua má distribuição pelo país, fruto de más condições de trabalho, inibe a valorização dos
profissionais e faz com que a categoria seja hoje remunerada de forma
aviltante. Como conseqüência, cerca
de 75% dos médicos atuam em três ou
mais empregos e têm dificuldades para reciclar seus conhecimentos.
As soluções existem, mas não são
simples. A proposta levada ao presidente do Congresso Nacional de restringir a abertura de novas escolas
por um período determinado é bem-vinda e ameniza um problema que
não vem merecendo a devida consideração dos últimos governos federais, embora possa ser injusta para
universidades que tenham interesse
em estabelecer novos cursos de alto
padrão. Contudo, o foco principal deve ser a correção das distorções existentes.
Os EUA viveram no passado um
problema semelhante, que culminou
com o fechamento de um grande número de escolas médicas em 1929,
fundamentado no relatório Flexner.
A conseqüência foi uma tremenda
melhoria do ensino médico como um
todo naquele país.
É imperativo que sejam tomadas
medidas drásticas no Brasil em relação ao ensino médico. Inicialmente, a
abertura e a manutenção das escolas
existentes devem passar pelo crivo
das necessidades locorregionais e pela existência de mais vagas para residência médica.
Em segundo lugar, é fundamental
que sejam definidos e implantados
critérios técnicos para regular tanto o
funcionamento quanto o fechamento
das escolas existentes. Essa tarefa
hercúlea e corajosa não deve ser conduzida só pelo governo. Dela devem
participar segmentos representativos
da sociedade afeitos à medicina e a
seu ensino, em especial a comunidade
acadêmica e as entidades médicas.
Gradativamente, o Brasil vai equacionando o acesso da população às
atenções de saúde e entrando em uma
nova era, em que o desafio é a qualidade dos serviços de saúde oferecidos,
que passa pela competência dos médicos. Sem uma mudança radical que
permita manter e estimular as melhores faculdades de medicina e, simultaneamente, eliminar as desnecessárias e menos competentes, o sistema de saúde brasileiro, por mais
moderno e modelar que seja, não conseguirá propiciar o atendimento digno que cada cidadão merece.
RAUL CUTAIT , 57, cirurgião gastrenterologista, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Saúde. Foi secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Paulo Maluf).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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