São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2000

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CLÓVIS ROSSI
O câmbio e as elites

SÃO PAULO - Agora que a economia argentina, graças à camisa-de-força do câmbio fixo, se encontra em estado terminal, como diz Luiz Carlos Mendonça de Barros (Folha de ontem), acho que vale a pena contar de novo um episódio de quase dois anos.
Foi em Davos (Suíça), naquela sexta-feira de fevereiro de 1999 em que o real derretia, o dólar ia a R$ 2,12 e havia corrida aos bancos.
Naquela noite, estava prevista uma sessão do Fórum Econômico Mundial sobre o Brasil. Deveriam falar os ministros Luiz Felipe Lampreia (Exterior) e Pedro Malan (Fazenda). Como Malan não viajou, Lampreia ficou sozinho.
Um grupo de empresários brasileiros convidou o ex-ministro argentino Domingo Cavallo, o inventor da política cambial do vizinho, para participar da sessão. Queriam porque queriam que Cavallo "vendesse" ao Brasil o seu modelo de câmbio.
Depois da fala de Lampreia, na hora das perguntas, um dos empresários passou a sua vez a Cavallo, não para perguntar, mas para falar sobre o paraíso que aguardaria o Brasil, na primeira curva da esquina, se adotasse o modelo argentino e sobre os horrores que sofreria, no caso oposto.
Os empresários (não todos, justiça se faça, mas a maioria) babavam na gravata ao ouvir Cavallo, tinham orgasmos múltiplos, certos de que a travessura que haviam cometido resultaria na adoção do câmbio fixo pelo Brasil, antes mesmo que todos voltassem de Davos.
O patético espetáculo nunca me sai da cabeça. Foi apenas uma das inúmeras cenas explícitas de leviandade que uma parte das elites brasileiras adora oferecer ao país. É esse tipo de gente que se considera "moderna", que adora dar lições sobre o que o governo e cada um de nós deveriam fazer para que o país chegue, ele também, à "modernidade" que eles supostamente encarnam.
Pena que, ao contrário do que ocorreu com o câmbio, sejam muitas vezes ouvidos. Alguma surpresa com o fato de o Brasil ser o que é?


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