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Aumentar as penas inibe a criminalidade?
NÃO
Dos delitos e das penas
CARLOS WEIS
Em 1764, quando Cesare Beccaria
publicou a obra que dá título a este
artigo, fundando o direito penal contemporâneo, na Lombardia era frequente o emprego da tortura, as prisões
não passavam de calabouços e as normas penais eram aplicadas conforme a
classe e o prestígio do réu e da vítima.
Qualquer semelhança com o Brasil
atual não é mera coincidência.
Embora nosso sistema penal não
autorize a tortura -como faziam os
que vigoravam à época do mestre italiano-, ninguém desconhece sua prática
disseminada, já tantas vezes denunciada por entidades de defesa dos direitos
humanos. Os cárceres superlotados
-em que pessoas dormem amarradas
às grades, sofrem de sarna, tuberculose
e Aids- não são novidade para ninguém. E, diz o povo, rico não vai para a
cadeia.
Apesar de tais condições, que deveriam assustar todos os que planejam se
tornar foras-da-lei, a criminalidade só
vem aumentando, causando medo e
perplexidade na população.
Nesse contexto, vozes têm se levantado em favor do endurecimento das penas, da manutenção ou ampliação da
Lei dos Crimes Hediondos, da defesa da
sociedade contra o crime, enfim, do que
se convencionou chamar de "doutrina
da lei e da ordem", apostando em tais
caminhos como forma de dissuadir novas práticas criminosas. Geralmente valem-se de argumentos retóricos e emotivos, raramente escorados em dados de
realidade ou em estudos que apontem
ser esse o melhor caminho a seguir.
Embora sedutora e aparentemente
sintonizada com o sentimento geral de
indignação, tal corrente aponta para o
caminho errado, para o retorno ao direito penal vingativo e irracional, tão
combatido pelo iluminismo jurídico.
E o coro aumenta exatamente no momento em que o governo acaba de encaminhar ao Congresso o anteprojeto de
Código Penal, elaborado por renomados juristas, com participação da sociedade organizada, cujo objetivo é o de racionalizar as penas, reservando a privação da liberdade somente aos que cometeram crimes mais graves e, mesmo
para esses, tendo sempre em vista mecanismos de (re)integração social. Destaca-se o emprego das penas alternativas (prestação de serviços à comunidade, compensação pelo dano causado,
restrição de direitos, entre outras).
Contra a idéia de que o bandido é um
facínora que optou por atacar a sociedade, prevalece a noção de que são as vergonhosas condições sociais e econômicas do Brasil que geram a criminalidade
e que, enquanto essas não mudarem,
não há mágica: os crimes vão continuar
a se suceder, quer se aumentem as penas, quer se construam mais presídios.
Isso não quer dizer que a violação ao
direito penal possa ficar impune, mas é
certo que não se pode pretender que a
severidade da legislação penal seja utilizada para corrigir a desigualdade social.
Para que serve a pena, então? A Convenção Americana de Direitos Humanos -ratificada pelo Brasil em 1992-
prevê que "as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial
a readaptação social dos condenados",
o que destoa da proposta de emprego
das penas como forma de vingança social ou mesmo para inibir novos crimes.
A ONU, em sua Convenção contra a
Tortura, diz que penas que não se destinem a ressocializar o condenado podem ser consideradas cruéis, desumanas e degradantes.
A pena de prisão deve ser reservada
àquelas pessoas que efetivamente signifiquem uma ameaça à vida, à integridade física e psíquica e mesmo ao patrimônio dos demais, cuja aplicação deve
ser pautada não pela usual arrogância,
mas até por um pouco de vergonha pública, na certeza de que, se o crime ocorreu, boa parte da responsabilidade é do
próprio Estado.
Mais importante do que uma política
criminal voltada à construção de prisões, é fundamental criar um direito penal que aposte em penas alternativas capazes de liberar recursos para a construção de escolas, hospitais, casas, centros
de cultura e lazer, tudo o que vai atuar
na efetiva prevenção do crime.
Voltando ao direito penal, a proposta
de endurecimento das leis incide em
mais um equívoco, o de apostar que,
quanto mais longas e severas as penas,
mais intimidado ficará o potencial infrator. Tal idéia, na verdade, vem sendo
desmentida na prática, pois mesmo
após a edição da Lei dos Crimes Hediondos, os índices de criminalidade
cresceram, com destaque para o tráfico
de entorpecentes e o latrocínio.
É muito mais sensato imaginar que a
inibição do crime se dá no instante em
que o infrator tem certeza de que será
punido. E aí, pouco importa se a pena é
de cinco ou dez anos de prisão, pois
mesmo um mês nos modelares estabelecimentos prisionais brasileiros já faria
inveja a Dante e assustaria o Diabo.
Um levantamento do sociólogo Túlio
Kahn, do Ilanud (Instituto Latino-Americano da ONU para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente),
mostra que as chances de que alguém
cometendo crime seja preso e condenado são próximas a 2%. Então o que realmente importa, e aí deveriam estar centrados os alvos do debate sobre a criminalidade no Brasil, é a eficiência da polícia, a presteza do julgamento justo e o
aprimoramento do sistema de penas.
Com isso, e não com discursos que
apostem no ódio social e na exclusão, é
que alcançaremos a diminuição dos crimes e uma vida mais justa e segura.
Carlos Weis, 34, é procurador do Estado de São
Paulo e coordena a assistência judiciária da Casa
de Detenção de São Paulo.
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