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Carbono e florestas
Países pobres emitem mais gases-estufa e podem ter de assumir metas de redução, mas Brasil e China resistem
NA SEMANA em que teve
início em Nairóbi
(Quênia) mais uma
conferência sobre
mudança climática, o mundo foi
surpreendido com a estimativa
de que a China ultrapassará os
EUA na emissão de gases do efeito estufa dentro de três anos,
uma década antes do que se projetava. Antecipa-se, assim, uma
mudança na correlação de forças
para definir regras do período
pós-Kyoto (local onde se firmou
o acordo para conter emissões de
gases que propiciam o aquecimento global), depois de 2012.
A previsão sombria está no relatório "Panorama Mundial de
Energia 2006", da Agência Internacional de Energia (IEA). O órgão prediz crescimento de 53%
na demanda até 2030, configurando um cenário de energia
"suja, insegura e cara". Os Estados Unidos, um dos 26 integrantes da IEA, não ratificaram o
Protocolo de Kyoto. Por si só, o
fato sugere alguma reserva diante do chamado da agência para
que governos busquem uma via
energética mais sustentável.
A China, como o Brasil, está
entre as nações isentas da obrigação de emitir menos até 2012,
em nome de seu direito inquestionável ao desenvolvimento.
Não se deve ignorar, tampouco,
dois outros fatores de eqüidade
tradicionalmente relevados: a
população chinesa é mais de
quatro vezes maior que a dos
EUA, e os americanos começaram a emitir um século antes.
Ocorre que a China é um dos
países que mais crescem no
mundo, na casa dos 10% ao ano.
Seu apetite por energia aumenta
ainda mais e vem sendo saciado à
base de carvão mineral. Mesmo
sendo um dos piores emissores
de gases-estufa, o carvão está entre as fontes de energia cujo uso
mais se expandiu nos últimos
anos (90% do crescimento na
China). EUA e Europa Ocidental
também recorrem mais e mais
ao carvão para suprir energia.
Para lidar com o problema, a
IEA recomenda biocombustíveis
e energia nuclear como alternativas mais limpas, uma por renovável, outra por prescindir de
combustíveis fósseis. Por aqui
também já se movimentam os
lobbies para ressuscitar usinas
nucleares, seguros de contar
com aliados no Planalto.
O mesmo não se pode dizer de
uma alternativa mais racional
para conter emissões nacionais
de gases-estufa: redução financeiramente compensada nas taxas de desmatamento na Amazônia. Não produziria energia, mas
um fluxo de recursos para o desenvolvimento sustentável, que
poderia ser destinado aos biocombustíveis, por exemplo.
O governo brasileiro até deve
defender em Nairóbi a criação de
um vago fundo internacional voluntário para ressarcir países
que preservem florestas tropicais. Corre o risco, porém, de ser
atropelado por uma iniciativa do
Banco Mundial que reservaria
US$ 200 milhões a US$ 300 milhões para ajudar países tropicais a desenvolver um piloto de
mecanismo de mercado (compra
e venda de direitos de emissão)
para o período pós-Kyoto, como
revelou esta Folha.
O temor desmedido de aceitar
compromissos explica a resistência do Brasil a incluir florestas na agenda de Kyoto. Tal relutância pode, ao final, levar mais
água ao moinho do desenvolvimento chinês do que ao brasileiro, com mais carvão queimado,
mais aquecimento global e mais
floresta amazônica no chão.
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