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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Prouni é um retrocesso na política educacional?
NÃO
Um passo atrás, dois à frente
FERNANDO HADDAD e JOÃO PAULO BACHUR
O programa de governo que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva articulava, no âmbito da política educacional, três eixos centrais para
ampliar o acesso ao ensino superior: expansão da universidade pública e gratuita, revisão do mecanismo de financiamento estudantil e concessão de bolsas de estudo.
Os críticos do Prouni apontam a incompatibilidade entre essas três linhas
de ação, pois partem de uma visão maniqueísta da díade "setor público versus
setor privado", afirmando que os recursos correspondentes à isenção deveriam ser canalizados para a expansão da
universidade pública ou para o financiamento estudantil. Sem compatibilizar todos os instrumentos disponíveis
não alcançaremos a meta do PNE (Plano Nacional de Educação) de atingir até
2011 a marca de 30% de jovens entre 18 e
24 anos de idade matriculados em instituições de ensino superior.
Com relação à expansão da universidade pública, há que considerar que o
orçamento para as instituições federais
em 2005 permitirá recuperar, em três
anos, 75% das perdas acumuladas ao
longo dos oito anos anteriores. Além
disso, 6.000 cargos docentes serão
preenchidos em 2005, de forma que,
também em três anos, terão sido ocupadas mais vagas que nos oito anos anteriores. Não bastasse o incremento orçamentário e do corpo docente, o MEC
tem investido substancialmente na expansão do sistema público com cerca de
12 novos projetos, dentre os quais destaca-se a Universidade do ABC. Não é por
outra razão que a taxa de expansão das
matrículas nas universidades públicas
federais, que foi de 5% nos últimos dois
anos do governo anterior, passou a
6,8% no primeiro ano do governo Lula
-um aumento de quase 40%.
Paralelamente, é necessário repensar
o mecanismo de financiamento estudantil privado. O Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior) é cada vez mais deficitário porque
o financiamento tem sido concedido a
alunos carentes que têm tido graves dificuldades para adimplir o empréstimo
contratado. O custo do Fies soma R$ 1
bilhão, sendo que apenas com a inadimplência consomem-se R$ 200 milhões
ao ano. A revisão desse sistema tem de
ser, obviamente, qualitativa, e não
quantitativa: só aportar recursos ao Fies
não corrigirá sua lógica deficitária.
Sob essa luz, a concessão de bolsas de
estudo surge como alternativa complementar, e não antagônica, à universidade pública, apesar do que pretendem
seus opositores. O Prouni não compromete recursos do setor público e, ainda,
requalifica o financiamento estudantil:
enquanto as bolsas atenderão aos estudantes mais desprovidos, o Fies poderá
ser canalizado a uma faixa de renda um
pouco superior, mais capaz de restituir
o financiamento aos cofres públicos, reduzindo o risco da inadimplência.
De outro lado, como as isenções fiscais do Prouni representam menos de
R$ 200 milhões, basta que a inadimplência do Fies seja reduzida a patamares aceitáveis para que a diminuição do
custo do programa de financiamento
compense parte significativa das isenções adicionais. Além disso, com o definitivo enquadramento da filantropia,
muitas instituições ditas filantrópicas,
por vontade própria ou por força de
uma fiscalização mais atuante, deixarão
de o ser, passando a pagar a cota patronal ao INSS.
Diga-se, ademais, que o Prouni foi
idealizado justamente a partir do diagnóstico de que o setor privado de educação superior, apesar de movimentar
quase 1% do PIB nacional, não só não
recolhia impostos como gerava uma
contrapartida social ínfima. Ora, 85%
das matrículas se dão em instituições
sem fins lucrativos, filantrópicas e não-filantrópicas. O que o Prouni fez, em
grande medida, foi disciplinar as exigências previstas na Constituição para o
gozo de isenções. Além disso, condiciona a permanência da instituição no programa à avaliação pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior,
obrigando as instituições a um esforço
adicional em busca de qualidade.
Como se vê, o Prouni não obsta a expansão do ensino superior público nem
compromete o Fies; não é um privilégio
às instituições privadas, mas a remodelagem de um pacto social e constitucional esquecido. Por todas essas razões, o
antagonismo entre a universidade pública, o Fies e o Prouni é ilusório.
Em 2005, 118 mil jovens com renda familiar per capita de até três salários mínimos poderão ingressar numa instituição de ensino superior, sendo que 72
mil com bolsa integral. Estamos aumentando em 60% a oferta de ensino
gratuito num único ano. Sem comprometer o orçamento do MEC, constitucionalmente assegurado.
Fernando Haddad, 41, advogado, professor de
ciência política da USP, é o secretário-executivo
do Ministério da Educação. João Paulo Bachur,
25, advogado, mestre em ciência política pela
USP, é assessor jurídico da Secretaria Executiva
do Ministério da Educação.
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