São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Prouni é um retrocesso na política educacional?

NÃO

Um passo atrás, dois à frente

FERNANDO HADDAD e JOÃO PAULO BACHUR

O programa de governo que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva articulava, no âmbito da política educacional, três eixos centrais para ampliar o acesso ao ensino superior: expansão da universidade pública e gratuita, revisão do mecanismo de financiamento estudantil e concessão de bolsas de estudo.
Os críticos do Prouni apontam a incompatibilidade entre essas três linhas de ação, pois partem de uma visão maniqueísta da díade "setor público versus setor privado", afirmando que os recursos correspondentes à isenção deveriam ser canalizados para a expansão da universidade pública ou para o financiamento estudantil. Sem compatibilizar todos os instrumentos disponíveis não alcançaremos a meta do PNE (Plano Nacional de Educação) de atingir até 2011 a marca de 30% de jovens entre 18 e 24 anos de idade matriculados em instituições de ensino superior.
Com relação à expansão da universidade pública, há que considerar que o orçamento para as instituições federais em 2005 permitirá recuperar, em três anos, 75% das perdas acumuladas ao longo dos oito anos anteriores. Além disso, 6.000 cargos docentes serão preenchidos em 2005, de forma que, também em três anos, terão sido ocupadas mais vagas que nos oito anos anteriores. Não bastasse o incremento orçamentário e do corpo docente, o MEC tem investido substancialmente na expansão do sistema público com cerca de 12 novos projetos, dentre os quais destaca-se a Universidade do ABC. Não é por outra razão que a taxa de expansão das matrículas nas universidades públicas federais, que foi de 5% nos últimos dois anos do governo anterior, passou a 6,8% no primeiro ano do governo Lula -um aumento de quase 40%.
Paralelamente, é necessário repensar o mecanismo de financiamento estudantil privado. O Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior) é cada vez mais deficitário porque o financiamento tem sido concedido a alunos carentes que têm tido graves dificuldades para adimplir o empréstimo contratado. O custo do Fies soma R$ 1 bilhão, sendo que apenas com a inadimplência consomem-se R$ 200 milhões ao ano. A revisão desse sistema tem de ser, obviamente, qualitativa, e não quantitativa: só aportar recursos ao Fies não corrigirá sua lógica deficitária.
Sob essa luz, a concessão de bolsas de estudo surge como alternativa complementar, e não antagônica, à universidade pública, apesar do que pretendem seus opositores. O Prouni não compromete recursos do setor público e, ainda, requalifica o financiamento estudantil: enquanto as bolsas atenderão aos estudantes mais desprovidos, o Fies poderá ser canalizado a uma faixa de renda um pouco superior, mais capaz de restituir o financiamento aos cofres públicos, reduzindo o risco da inadimplência.
De outro lado, como as isenções fiscais do Prouni representam menos de R$ 200 milhões, basta que a inadimplência do Fies seja reduzida a patamares aceitáveis para que a diminuição do custo do programa de financiamento compense parte significativa das isenções adicionais. Além disso, com o definitivo enquadramento da filantropia, muitas instituições ditas filantrópicas, por vontade própria ou por força de uma fiscalização mais atuante, deixarão de o ser, passando a pagar a cota patronal ao INSS.
Diga-se, ademais, que o Prouni foi idealizado justamente a partir do diagnóstico de que o setor privado de educação superior, apesar de movimentar quase 1% do PIB nacional, não só não recolhia impostos como gerava uma contrapartida social ínfima. Ora, 85% das matrículas se dão em instituições sem fins lucrativos, filantrópicas e não-filantrópicas. O que o Prouni fez, em grande medida, foi disciplinar as exigências previstas na Constituição para o gozo de isenções. Além disso, condiciona a permanência da instituição no programa à avaliação pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, obrigando as instituições a um esforço adicional em busca de qualidade.
Como se vê, o Prouni não obsta a expansão do ensino superior público nem compromete o Fies; não é um privilégio às instituições privadas, mas a remodelagem de um pacto social e constitucional esquecido. Por todas essas razões, o antagonismo entre a universidade pública, o Fies e o Prouni é ilusório.
Em 2005, 118 mil jovens com renda familiar per capita de até três salários mínimos poderão ingressar numa instituição de ensino superior, sendo que 72 mil com bolsa integral. Estamos aumentando em 60% a oferta de ensino gratuito num único ano. Sem comprometer o orçamento do MEC, constitucionalmente assegurado.


Fernando Haddad, 41, advogado, professor de ciência política da USP, é o secretário-executivo do Ministério da Educação. João Paulo Bachur, 25, advogado, mestre em ciência política pela USP, é assessor jurídico da Secretaria Executiva do Ministério da Educação.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Ivan Valente e Otaviano Helene: O Prouni e os muitos enganos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.