São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Prouni é um retrocesso na política educacional?

SIM

O Prouni e os muitos enganos

IVAN VALENTE e OTAVIANO HELENE

É sofrível a posição do Brasil quando analisamos o ensino superior: apenas 9% dos jovens de 18 a 24 anos chegam ao terceiro grau. Para reverter essa situação, foi aprovado em 2001 o PNE, que previa um prazo de dez anos para colocarmos 30% dos jovens no ensino superior, a sua maioria em vagas públicas. Entretanto o governo FHC não tinha como política ampliar as instituições públicas, e sim estimular a expansão do setor privado.
A expansão do ensino superior público de qualidade depende do aumento dos investimentos públicos. O PNE previa um gasto total com educação pública de 7% do PIB, tema vetado por FHC. No lugar de derrubar esse veto e aumentar os gastos públicos com educação, o governo Lula economiza para pagar juros de R$70 bilhões (superávit primário) e concluirá o segundo ano de governo sem executar o plano de expansão do ensino superior que constava do seu programa. É nesse quadro que o governo apresenta o Programa Universidade para Todos -Prouni-, criado por medida provisória. Com esse programa o governo pretende trocar isenções tributárias por vagas nas instituições de ensino superior (IES) privadas para estudantes carentes.
O Prouni tem apelo popular e parece combater a exclusão. Mas a proposta é, na verdade, um grave equívoco e fere pontos defendidos há décadas pelos educadores ligados ao PT. Além disso, fortalece ainda mais a já hegemônica presença do setor privado no ensino superior, dando posição de mando ao mercado educacional. A posição de que recursos públicos devem ser utilizados na educação pública é histórica do PT. Entretanto o que o Prouni faz é aumentar as isenções fiscais para IES privadas, que, com poucas exceções, não prestam contas de como as usam, remuneram de forma ilegal seus sócios, não têm transparência na concessão de bolsas e maquiam balanços.
Ao trilhar o caminho da expansão da oferta pelo setor privado, a proposta do governo estimula diversos enganos. Freqüentemente supõe-se que estudantes de instituições públicas têm renda familiar superior à de seus colegas nas IES privadas. Dados do IBGE e do Inep indicam que a realidade é exatamente oposta. A elitização do ensino em nosso país ocorre não por meio do vínculo institucional, mas pelo curso freqüentado, e em cada curso a renda média dos estudantes do setor privado é superior à dos estudantes do setor público.
Outro engano está relacionado ao custo de um estudante de graduação. Estudos feitos na USP e na UnB mostram que o custo de um estudante nessas instituições é equivalente ou inferior ao custo nas IES privadas, em um mesmo curso. Tenta-se a todo momento dizer o contrário, computando no custo/ aluno das públicas despesas que vão além do ensino de graduação, como pesquisa, hospitais universitários, gastos previdenciários etc. Devemos ainda lembrar que as IES privadas oferecem seus cursos levando em conta apenas a existência de clientela, e não as necessidades das diferentes regiões do país e áreas do conhecimento. Mesmo eventuais ganhos pessoais por parte dos estudantes são comprometidos pela baixa qualidade dos cursos.
A existência de vagas ociosas no setor privado é outro logro. A maioria das vagas não preenchidas serve como reserva estratégica para as instituições privadas, não havendo recursos de infra-estrutura e professores esperando para atender aos estudantes.
É necessário registrar também que muitas das instituições públicas têm boas bibliotecas, alojamento, alimentação subsidiada e assistência médica, coisas que inexistem na grande maioria das IES privadas. Esses instrumentos de gratuidade ativa são importantes para garantir a permanência do estudante, especialmente o carente, aquele que o Prouni pretende atender. Devemos lembrar ainda que a evasão nas IES privadas é superior à nas universidades públicas, causada não só pela impossibilidade de pagamento das mensalidades, mas pela frustração com os cursos e impossibilidade de permanência.
Os benefícios fiscais dados às IES privadas retiram recursos preciosos do setor público. A renúncia tributária em favor de IES privadas alcançou, em 2003, cerca de R$ 870 milhões; somada à renúncia previdenciária, de R$ 462 milhões, aos débitos previdenciários, de R$ 184 milhões (maio de 2004), e aos gastos do sistema de financiamento estudantil (Fies), de cerca de R$ 900 milhões, chega-se à cifra de R$ 2,4 bilhões. Já no custeio das 54 universidades federais o governo aplicou R$ 695 milhões.
Para quem acha que as IES privadas podem quebrar ou reduzir a concessão de bolsas, vale lembrar que o faturamento do conjunto delas (com ou sem fins lucrativos) triplicou desde 1997 e alcançou R$ 10,5 bilhões em 2002.
Basta de enganos. É hora de recuperar o tempo perdido e fortalecer e expandir o ensino superior público: ele é melhor, custa menos e é mais qualificado.


Ivan Valente, 58, é deputado federal pelo PT-SP e membro da Comissão de Educação da Câmara. Otaviano Helene, 55, é professor do Instituto de Física da USP. Foi presidente da Adusp (Associação de Docentes da USP) e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).


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