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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Prouni é um retrocesso na política educacional?
SIM
O Prouni e os muitos enganos
IVAN VALENTE e OTAVIANO HELENE
É sofrível a posição do Brasil
quando analisamos o ensino superior: apenas 9% dos jovens de 18 a 24
anos chegam ao terceiro grau. Para reverter essa situação, foi aprovado em
2001 o PNE, que previa um prazo de dez
anos para colocarmos 30% dos jovens
no ensino superior, a sua maioria em
vagas públicas. Entretanto o governo
FHC não tinha como política ampliar as
instituições públicas, e sim estimular a
expansão do setor privado.
A expansão do ensino superior público de qualidade depende do aumento
dos investimentos públicos. O PNE previa um gasto total com educação pública de 7% do PIB, tema vetado por FHC.
No lugar de derrubar esse veto e aumentar os gastos públicos com educação, o governo Lula economiza para pagar juros de R$70 bilhões (superávit primário) e concluirá o segundo ano de governo sem executar o plano de expansão do ensino superior que constava do
seu programa. É nesse quadro que o governo apresenta o Programa Universidade para Todos -Prouni-, criado
por medida provisória. Com esse programa o governo pretende trocar isenções tributárias por vagas nas instituições de ensino superior (IES) privadas
para estudantes carentes.
O Prouni tem apelo popular e parece
combater a exclusão. Mas a proposta é,
na verdade, um grave equívoco e fere
pontos defendidos há décadas pelos
educadores ligados ao PT. Além disso,
fortalece ainda mais a já hegemônica
presença do setor privado no ensino superior, dando posição de mando ao
mercado educacional. A posição de que
recursos públicos devem ser utilizados
na educação pública é histórica do PT.
Entretanto o que o Prouni faz é aumentar as isenções fiscais para IES privadas,
que, com poucas exceções, não prestam
contas de como as usam, remuneram
de forma ilegal seus sócios, não têm
transparência na concessão de bolsas e
maquiam balanços.
Ao trilhar o caminho da expansão da
oferta pelo setor privado, a proposta do
governo estimula diversos enganos.
Freqüentemente supõe-se que estudantes de instituições públicas têm renda
familiar superior à de seus colegas nas
IES privadas. Dados do IBGE e do Inep
indicam que a realidade é exatamente
oposta. A elitização do ensino em nosso
país ocorre não por meio do vínculo
institucional, mas pelo curso freqüentado, e em cada curso a renda média dos
estudantes do setor privado é superior à
dos estudantes do setor público.
Outro engano está relacionado ao
custo de um estudante de graduação.
Estudos feitos na USP e na UnB mostram que o custo de um estudante nessas instituições é equivalente ou inferior
ao custo nas IES privadas, em um mesmo curso. Tenta-se a todo momento dizer o contrário, computando no custo/
aluno das públicas despesas que vão
além do ensino de graduação, como
pesquisa, hospitais universitários, gastos previdenciários etc. Devemos ainda
lembrar que as IES privadas oferecem
seus cursos levando em conta apenas a
existência de clientela, e não as necessidades das diferentes regiões do país e
áreas do conhecimento. Mesmo eventuais ganhos pessoais por parte dos estudantes são comprometidos pela baixa
qualidade dos cursos.
A existência de vagas ociosas no setor
privado é outro logro. A maioria das vagas não preenchidas serve como reserva
estratégica para as instituições privadas,
não havendo recursos de infra-estrutura e professores esperando para atender
aos estudantes.
É necessário registrar também que
muitas das instituições públicas têm
boas bibliotecas, alojamento, alimentação subsidiada e assistência médica,
coisas que inexistem na grande maioria
das IES privadas. Esses instrumentos de
gratuidade ativa são importantes para
garantir a permanência do estudante,
especialmente o carente, aquele que o
Prouni pretende atender. Devemos
lembrar ainda que a evasão nas IES privadas é superior à nas universidades
públicas, causada não só pela impossibilidade de pagamento das mensalidades, mas pela frustração com os cursos e
impossibilidade de permanência.
Os benefícios fiscais dados às IES privadas retiram recursos preciosos do setor público. A renúncia tributária em favor de IES privadas alcançou, em 2003,
cerca de R$ 870 milhões; somada à renúncia previdenciária, de R$ 462 milhões, aos débitos previdenciários, de
R$ 184 milhões (maio de 2004), e aos
gastos do sistema de financiamento estudantil (Fies), de cerca de R$ 900 milhões, chega-se à cifra de R$ 2,4 bilhões.
Já no custeio das 54 universidades federais o governo aplicou R$ 695 milhões.
Para quem acha que as IES privadas
podem quebrar ou reduzir a concessão
de bolsas, vale lembrar que o faturamento do conjunto delas (com ou sem
fins lucrativos) triplicou desde 1997 e alcançou R$ 10,5 bilhões em 2002.
Basta de enganos. É hora de recuperar
o tempo perdido e fortalecer e expandir
o ensino superior público: ele é melhor,
custa menos e é mais qualificado.
Ivan Valente, 58, é deputado federal pelo PT-SP
e membro da Comissão de Educação da Câmara.
Otaviano Helene, 55, é professor do Instituto
de Física da USP. Foi presidente da Adusp (Associação de Docentes da USP) e do Inep (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
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