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VERA GUIMARÃES MARTINS
Dá para olhar
para a frente?
VIRE O DISCO. Mesmo com
ele, o disco, já obsoleto, esse
é o melhor mantra para reagir ao reducionismo que bate cartão na maioria das discussões da
inteligentsia nacional. Não poderia
ser diferente no debate (parte dele)
sobre "Política e Cultura", o primeiro tema do ciclo de debates que
comemorou os 50 anos da Ilustrada. Para quem anseia por respostas
novas e discussões arejadas, a impressão é a de que o mundo passou
na janela, e a academia não viu.
Uma frase dita pelo poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar, um
ex-comunista quase octogenário,
resumiu bem o espírito do tempo.
O problema, disse ele, é que nós ficamos tentando resolver questões
novas com instrumentos velhos.
Perfeito para o pessoal do fã-clube de Adorno & seus Horkheimers,
que parece desconsiderar a revolução tecnológico-digital que está
botando o mundo de ponta-cabeça
e insiste em repetir automaticamente conceitos como "cultura de
esquerda/direita", "indústria cultural", "arte para as massas" e chucrutes do gênero, sempre servidos
conforme a receita original. Nem
uma pitada de Youtube ou duas gotas de redes sociais, para atualizar.
Faz sentido ficar batendo em
cultura de esquerda/direita e ditadura da indústria cultural para jovens (a maioria na platéia do debate; a totalidade nos bancos universitários) que têm acesso praticamente irrestrito a música de todos
os quadrantes sem pagar um tostão para a tal indústria? (Além dos
que produzem sua própria música
e jogam nos ouvidos do mundo.)
Que sentido fazem idéias gastas
para esse batalhão de desconhecidos que "socializa" e distribui filmes em esquema de mutirão, manuseando as obras aos pedaços em
vários continentes, pegando diálogos daqui, imagens dali, traduções
e legendas de lá, tudo para driblar
leis que, em última instância, protegem os direitos da tal indústria?
Nesse universo, até a crítica cultural perdeu espaço; os usuários formaram sua própria massa crítica,
com avaliações diretas e sem intermediários.
Todas as velhas concepções de
intermediação cultural ainda sobrevivem e ganham dinheiro, mas
rompeu-se o ciclo de produção/
distribuição de cultura e idéias. E,
embora a exclusão digital seja tão
real quanto outras exclusões, vale
repetir aqui uma história narrada
por Cacá Diegues. O cineasta contou ter ficado angustiado ao ser
chamado para dar uma aula inaugural de cinema a jovens de uma
favela carioca: o que falar a uma
moçada carente até de educação
formal decente? Descobriu ao se
apresentar à turma: dos cerca de
140 (140!), um número entre 20 ou
30 já havia feito seus próprios filminhos. Foram eles o tema.
VERA GUIMARÃES MARTINS é secretária-assistente de Redação. O colunista Kenneth Maxwell está de licença.
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