São Paulo, quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Não ao protecionismo

WELBER BARRAL


As propostas para o aumento da TEC não indicam mudança na visão de comércio internacional do país nem viés protecionista

NAS ÚLTIMAS semanas, noticiou-se que o Mercosul teria a intenção de elevar sua Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada à importação de produtos provenientes de países não pertencentes ao bloco. A divulgação dessa pretensa medida sem a devida atenção para sua verdadeira dimensão gerou, além de farta especulação, uma torrente de críticas e mal-entendidos. O desassossego alcançou, inclusive, negociadores comerciais estrangeiros, que se apressaram a apresentar consultas ao governo brasileiro. Houve até quem especulasse sobre elevação linear de tarifas ou sobre aumento de proteção para um número indefinido de setores. Entretanto, uma análise mais detida demonstra que essas especulações não têm embasamento fático.
Primeiro porque, desde o início de seu funcionamento, a TEC do Mercosul constitui um instrumento dinâmico, que experimenta ajustes pontuais motivados pela adaptação a produções iniciadas pela indústria regional ou a fim de desonerar a importação de insumos não fabricados nos Estados-membros. Nesses casos, existem patamares tarifários predeterminados, que foram instituídos por ocasião da criação da união aduaneira. Com menos freqüência, avaliam-se situações de um segmento para o qual se requer tratamento tarifário menor, que pode ser conferido por prazo definido, sujeito a revisões e eventuais prorrogações.
Em qualquer dessas situações, a análise e a discussão relativas à conveniência da adoção de medidas ocorrem no âmbito de grupos solidamente estabelecidos na estrutura institucional do Mersocul, integrados por representantes de órgãos de todos os governos. Esses grupos pautam suas recomendações e decisões em parâmetros que levam em conta os diferentes -e, por vezes, conflitantes- interesses de seus respectivos países, o que explica o longo tempo requerido para a aprovação de muitas das decisões do Mercosul.
Em segundo lugar, deve-se notar que em várias das propostas hoje existentes de modificação da TEC -caso de lácteos, vinhos e pêssegos- não se examina propriamente uma elevação de tarifas, mas, sim, a extensão ao restante do Mercosul de situação vigente no Brasil desde antes da formação do bloco. São produtos que estão em lista de exceção, e a uniformidade da tarifa regional implica a renegociação da tarifa. Em alguns casos, haverá redução -e não elevação- da tarifa hoje praticada pelo Brasil. Os produtos desses três casos são classificados em 17 códigos tarifários (a TEC é composta por 9.767 códigos) cuja importação, em termos de valor, representa 0,20% do total importado pelo Brasil em 2007.
Outro setor em análise pelos parceiros do Mercosul é o de fibras têxteis. Mas as modificações propostas têm como objetivo ajustar o nível de tarifa efetiva intra-setorial. A alteração proposta, nesses casos, envolve 150 códigos, dos quais a maior parte, atualmente, tem alíquota de 16% e para os quais se fixaria o nível de 18%.
Trata-se, portanto, de eventual alteração, com reduzido impacto comercial, em que se pretende adicionar medidas de caráter administrativo adotadas para combate a fraudes na importação de produtos têxteis. De fato, a divergência de tarifas incentiva a falsa classificação do produto, uma vez que o fiscal dificilmente consegue diferenciar produtos com características físicas similares.
Em suma, as propostas que estão hoje sobre a mesa para o aumento da TEC não indicam nenhuma mudança na visão de comércio internacional do país nem viés protecionista. Ao contrário, o Brasil tem se esforçado para minimizar arroubos protecionistas de parceiros comerciais, ao mesmo tempo em que assumiu protagonismo e, inclusive, papel de mediador na busca de propostas equilibradas que permitam o avanço das negociações multilaterais. No seio do governo brasileiro há consenso quanto à relevância do processo de liberalização comercial e de seu particular significado num momento de crise econômica.
Foi esse entendimento que o Brasil cravou na declaração do G-20 contra o protecionismo, na última reunião em Washington. E as ações do país são e continuarão a ser coerentes com o entendimento de que a firme defesa de um comércio mundial mais livre e equilibrado é fundamental para atravessar a atual turbulência e para garantir um horizonte ao desenvolvimento econômico em todo o mundo.


WELBER BARRAL , mestre e doutor em direito, é secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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