São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

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JOGO BRUTO

Na transição para um novo modelo cambial e econômico na Argentina, com insatisfação social que dificilmente declinará no curto prazo, o presidente Duhalde veio a público declarar que não cogita renunciar. Mau sinal. Nos últimos dias, o debate sobre o futuro da Argentina ganhou novos ingredientes: o retorno das propostas de dolarização e o papel do Mercosul.
A visão pragmática aposta na manutenção do projeto de integração, mas num ritmo ainda mais lento de execução. Afinal, foi removido o principal obstáculo à coordenação de políticas macroeconômicas (o modelo do peso conversível ao dólar sob uma taxa fixa de câmbio).
Nesse cenário, a transição cambial argentina seria lenta. Mas resultaria num modelo similar ao brasileiro, de flutuação cambial.
A violência mesma da crise argentina recolocaria o Brasil como principal parceiro estratégico do país, jogando por terra a tese das "relações carnais" entre a Argentina e os EUA.
Mas ganhou força também a visão ultraliberal, característica do "establishment" norte-americano, que repudia o Mercosul como um modelo que apenas "desviaria" o comércio.
A crise atual seria, segundo essa perspectiva, uma oportunidade única para a Argentina abandonar o Mercosul e completar a transição cambial com a plena dolarização.
Por enquanto, a abordagem pragmática predomina, mas sofre pressões tanto internas -a população que reage ao "corralito"- quanto externas -bancos e multinacionais que repelem a desdolarização.
A Argentina tem dado sinais de reaproximação com o Brasil. Anunciou-se a revogação da resolução de julho passado, que congelava as negociações bilaterais com o Brasil.
O Brasil, por sua vez, ao que consta pretende abrir uma trégua no processo em que contesta, na OMC, as medidas antidumping argentinas contra as exportações de frango.
O envio de medicamentos pelo Brasil foi também um sinal de aproximação com impacto humanitário.
Para o Brasil, o desafio é recolocar o Mercosul em andamento no curto intervalo que ainda resta até 2005, prazo para o início da própria Alca.
Num contexto de agressividade na diplomacia econômica norte-americana e irritação na comunidade internacional, o papel do Mercosul como linha de resistência continua uma promessa difícil de realizar, mas que faz todo sentido recuperar.


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