São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O preço do gás

Antes, os mais pobres solicitavam um auxílio para alimento, passagem, remédios. Hoje o pedido mais aflitivo é para comprar o botijão de gás de cozinha. Sem gás não se aquece o leite da criança nem se prepara a refeição. Não há proporção entre o aumento do preço do gás e outras despesas domésticas. Essa situação requer medidas especiais e urgentes da parte do governo a fim de evitar maiores sofrimentos para o nosso povo, já atribulado com o custo da energia elétrica, da água, do transporte e de outras necessidades.
Esse pequeno indicador -o preço do gás- obriga-nos a considerar o problema mais amplo do empobrecimento crescente da população, fruto da concentração demasiada de renda nas mãos de poucos. A distribuição perversa de riquezas e de oportunidades acarreta um fenômeno curioso, pois, embora o Brasil continue se desenvolvendo economicamente, ao mesmo tempo em nosso país a qualidade de vida de milhões de excluídos se deteriora cada vez mais. As estatísticas são bem conhecidas.
O sofrimento do povo mais pobre exige um esforço conjunto das forças vivas do país para enfrentar as causas da miséria e procurar superá-las sem demora. Nesse sentido, a CNBB, unida a outras entidades, está promovendo estudos e iniciativas para debelar a fome, na certeza de que "o alimento, dom de Deus, é direito de todos". Os trabalhos vão progredindo e darão início a uma ampla campanha em todo o Brasil.
É preciso, no entanto, abrir ainda mais o horizonte e somar energias na busca de uma nova ordem econômica e social, que coloque como prioridade a pessoa humana, abandonando o engodo de um sistema voltado abusivamente para a produção, para o mercado e para o capital, cujos efeitos desastrosos convergem para a exclusão social de grande parte da humanidade. Aguardamos a realização do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, daqui a duas semanas. Esperamos que esse evento ajude a despertar a consciência de muitos brasileiros para encontrar saídas dignas e lúcidas para o impasse do empobrecimento da população. Será importante que o Fórum consiga apresentar propostas viáveis e passos estratégicos para vencermos, enquanto é tempo, as falhas estruturais e perniciosas da atual globalização e para descobrirmos caminhos rumo à civilização da solidariedade, tão desejada por João Paulo 2º para o novo milênio.
Os dias difíceis que a Argentina enfrenta obrigam-nos a refletir, com seriedade e rapidez, sobre os meios para cooperarmos com a nação irmã e a percebermos que o flagelo do desemprego é um mal que atinge em larga escala também o Brasil. Eis aqui um critério básico para avaliar, nestes tempos de eleição, as propostas políticas de partidos e candidatos.
Nesta perspectiva de novas oportunidades de trabalho, não pode faltar um programa abrangente em benefício do homem do campo, que inclua a partilha equitativa da terra, o apoio técnico no plantio e venda do produto, a formação de cooperativas familiares e a melhoria de condições de saúde e educação.
À luz da doutrina social da Igreja, não basta garantir o preço acessível do botijão do gás de cozinha, é preciso que haja alimento nas panelas e a alegria para muitos de produzi-los com o próprio trabalho.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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