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JOSÉ SERRA
De volta ao futuro
Reassumo pela terceira vez esta
coluna. Desde 1987, dela estive
ausente apenas quando ocupei cargos
no Executivo ou em razão de campanhas eleitorais. Devo ter publicado
neste espaço mais de quatro centenas
de artigos.
Quando comecei a escrever, o país
tinha percebido, depois do naufrágio
do Plano Cruzado, que a superinflação morava no corpo e na alma da vida nacional. Ao mesmo tempo, estávamos em plena Assembléia Constituinte, com seu sonho de um estado
de bem-estar escandinavo, isolacionista e onipresente.
Depois veio a eleição de 1989 e, com
ela, o governo Collor, suas tentativas
de estabilização e a reintrodução do
tema das reformas-como-panacéia. A
bandeira das reformas fora levantada
pela primeira vez por João Goulart, no
começo dos anos 1960. Só que as dele,
chamadas "de base", eram o simétrico
do recíproco das que foram anunciadas no bojo do Consenso de Washington. Independentemente do mérito de
cada uma, o tema sempre carregou a
ilusão de que, uma vez feitas, tudo o
mais se resolveria. Sendo assim, para
que empenhar-se na árdua tarefa de
governar no dia-a-dia?
O governo Collor promoveu algumas reformas de grande impacto. Não
me refiro apenas à perseguição aos
funcionários públicos ou à venda a
preço de banana dos imóveis funcionais em Brasília. Foram mais importantes, por exemplo, a radical e unilateral abertura comercial do país ao exterior, desmontando sem maiores
gradualismos uma tradição de 60
anos; a liberalização do movimento de
capitais externos, que tanta controvérsia causa hoje no mundo; ou o tratado
do Mercosul, que, no futuro, viria a dividir a soberania comercial brasileira
com o Paraguai, o Uruguai e a Argentina.
Afastado Collor, jogou-se pela janela
a possibilidade da revisão constitucional (o que exigia, na época, seu adiamento para depois da eleição) e perdeu-se a do parlamentarismo. Logrou-se, porém, algo que parecia tão
impossível quanto um besouro voar,
graças à ousadia do então ministro
Fernando Henrique: a vitória sobre a
superinflação.
Esses foram os temas que dominaram meus artigos durante quase oito
anos. Ao retornar à coluna, em 1997, a
agenda nacional ainda envolvia as "reformas", com uma novidade: o que fazer, a curto prazo, para livrar a economia da adversa combinação de câmbio sobrevalorizado com juros altos.
No atual governo, as reformas foram
respostas no centro do centro da política nacional, embora o eixo de nossos
problemas econômicos esteja na vulnerabilidade externa e nos juros altos.
E o curioso é que a mais badalada das
reformas, a tributária, não teve um
projeto que correspondesse ao que o
empresariado mais reclamava: diminuir a carga tributária e aumentar a
competitividade externa da economia. Pelo contrário, por ora o principal resultado foi o aumento da carga
tributária e a exacerbação da guerra
fiscal.
Enquanto isso, a área social, em que
a agenda nacional foi mudada para
melhor durante os governos do presidente Fernando Henrique, corre riscos. No caso, a margem para inovações é modesta e, em lugar de consolidar-se o que foi alcançado, o perigo
que se entrevê é um retrocesso gradual e seguro.
Para evitar esse e outros retrocessos,
é preciso esquecer o espelho retrovisor e olhar para a frente. Mais importantes do que as heranças recebidas,
são as potencialidades inaproveitadas,
e muitas vezes até ignoradas, do país.
Nelas é que me concentrarei nesta terceira fase da coluna.
José Serra passa a escrever às segundas-feiras
nesta coluna.
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