São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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JOSÉ SERRA

De volta ao futuro

Reassumo pela terceira vez esta coluna. Desde 1987, dela estive ausente apenas quando ocupei cargos no Executivo ou em razão de campanhas eleitorais. Devo ter publicado neste espaço mais de quatro centenas de artigos.
Quando comecei a escrever, o país tinha percebido, depois do naufrágio do Plano Cruzado, que a superinflação morava no corpo e na alma da vida nacional. Ao mesmo tempo, estávamos em plena Assembléia Constituinte, com seu sonho de um estado de bem-estar escandinavo, isolacionista e onipresente.
Depois veio a eleição de 1989 e, com ela, o governo Collor, suas tentativas de estabilização e a reintrodução do tema das reformas-como-panacéia. A bandeira das reformas fora levantada pela primeira vez por João Goulart, no começo dos anos 1960. Só que as dele, chamadas "de base", eram o simétrico do recíproco das que foram anunciadas no bojo do Consenso de Washington. Independentemente do mérito de cada uma, o tema sempre carregou a ilusão de que, uma vez feitas, tudo o mais se resolveria. Sendo assim, para que empenhar-se na árdua tarefa de governar no dia-a-dia?
O governo Collor promoveu algumas reformas de grande impacto. Não me refiro apenas à perseguição aos funcionários públicos ou à venda a preço de banana dos imóveis funcionais em Brasília. Foram mais importantes, por exemplo, a radical e unilateral abertura comercial do país ao exterior, desmontando sem maiores gradualismos uma tradição de 60 anos; a liberalização do movimento de capitais externos, que tanta controvérsia causa hoje no mundo; ou o tratado do Mercosul, que, no futuro, viria a dividir a soberania comercial brasileira com o Paraguai, o Uruguai e a Argentina.
Afastado Collor, jogou-se pela janela a possibilidade da revisão constitucional (o que exigia, na época, seu adiamento para depois da eleição) e perdeu-se a do parlamentarismo. Logrou-se, porém, algo que parecia tão impossível quanto um besouro voar, graças à ousadia do então ministro Fernando Henrique: a vitória sobre a superinflação.
Esses foram os temas que dominaram meus artigos durante quase oito anos. Ao retornar à coluna, em 1997, a agenda nacional ainda envolvia as "reformas", com uma novidade: o que fazer, a curto prazo, para livrar a economia da adversa combinação de câmbio sobrevalorizado com juros altos.
No atual governo, as reformas foram respostas no centro do centro da política nacional, embora o eixo de nossos problemas econômicos esteja na vulnerabilidade externa e nos juros altos. E o curioso é que a mais badalada das reformas, a tributária, não teve um projeto que correspondesse ao que o empresariado mais reclamava: diminuir a carga tributária e aumentar a competitividade externa da economia. Pelo contrário, por ora o principal resultado foi o aumento da carga tributária e a exacerbação da guerra fiscal.
Enquanto isso, a área social, em que a agenda nacional foi mudada para melhor durante os governos do presidente Fernando Henrique, corre riscos. No caso, a margem para inovações é modesta e, em lugar de consolidar-se o que foi alcançado, o perigo que se entrevê é um retrocesso gradual e seguro.
Para evitar esse e outros retrocessos, é preciso esquecer o espelho retrovisor e olhar para a frente. Mais importantes do que as heranças recebidas, são as potencialidades inaproveitadas, e muitas vezes até ignoradas, do país. Nelas é que me concentrarei nesta terceira fase da coluna.


José Serra passa a escrever às segundas-feiras nesta coluna.


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